Se existe uma coisa que todo cuiqueiro gosta é de ser filmado ou fotografado tocando para uma passista da sua escola de samba. Cena obrigatória no roteiro de qualquer filme sobre o carnaval brasileiro, a imagem dessa dupla já faz parte do imaginário coletivo e tem uma representação bastante significativa no universo do samba.
Alguns cuiqueiros e passistas formaram duplas que encantaram plateias mundo afora, como o “
Casal 20”, formado por Índio da Cuíca e sua esposa Shirley, e a dupla “Caqui”, da passista Cátia com o saudoso
Quirino Lopes.
De modo geral, os registros dessas duplas sempre mostram os cuiqueiros sorrindo ou fazendo caretas, de modo a expressar a irreverência sonora da cuíca embalando as performances hipnóticas das passistas. Mas apesar de toda graça e beleza, há questões bastante delicadas por trás desse imaginário .
A foto abaixo, por exemplo, originalmente publicada na capa de uma edição do jornal
Olé, um importante periódico esportivo da impressa argentina, nos permite problematizar este assunto.
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Jornal Olé (junho de 2006) |
Publicada durante a copa do mundo de 2006, realizada na Alemanha, esta fotografia é uma clara referência ao imaginário clichê que apela aos elementos de sua composição como símbolos nacionais do Brasil de maneira jocosa e pejorativa.
A frase "o mais grande do mundo" se refere objetivamente à seleção brasileira, pentacampeã naquela ocasião, mas é também uma analogia maliciosa ao corpo feminino em primeiro plano. Um exemplo típico do assédio que as passistas lamentavelmente são obrigadas a enfrentar, muitas vezes estimulado pelo racismo.
A expressão do cuiqueiro – o mangueirense
Dom Gravata – também é digna de reflexão. Apesar de toda simpatia e comicidade individual, esse tipo de expressividade também legitima um estereótipo muitas vezes abordado de maneira “folclórica” e depreciativa, que reduz os cuiqueiros e, consequentemente, todo o patrimônio cultural da cuíca à simples figura de um sujeito engraçado.
Alegria e irreverência são características dos cuiqueiros tão inerentes quanto a sensualidade das passistas. Mas a riqueza dessas personagens, sobretudo quando se apresentam em dupla, é de tamanha força e beleza que não pode ser diminuída por nenhum preconceito ou visão superficial. Fato, infelizmente, ainda real, que este humilde espaço cuiquístico tem por missão denunciar e combater.
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*atualizado em 10/03/2022