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Bem vindo ao blog Cuiqueiros, um espaço exclusivamente dedicado à cuica – instrumento musical pertencente à família dos tambores de fricção – e aos seus instrumentistas, os cuiqueiros. Sua criação e manutenção são fruto da curiosidade pessoal do músico e pesquisador Paulinho Bicolor a respeito do universo “cuiquístico” em seus mais variados aspectos. A proposta é debater sobre temas de contexto histórico, técnico e musical, e também sobre as peculiaridades deste instrumento tão característico da música brasileira e do samba, em especial. Basicamente através de textos, vídeos e músicas, pretende-se contribuir para que a cuica seja cada vez mais conhecida e admirada em todo o mundo, revelando sua graça, magia, beleza e mistério.

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domingo, 28 de fevereiro de 2021

Carnaval sem carnaval


A capa do jornal Gazeta de Notícias do dia 02 de março de 1919 celebrou o triunfo do carnaval carioca daquele ano, quando a cidade finalmente havia superado a pandemia da gripe espanhola. Mais de cem anos depois, pela primeira vez na história, o carnaval teve de ser cancelado em todo o Brasil por decorrência de uma nova pandemia que atravessou 2020 e avança em 2021 ainda fora de controle.

Gazeta de Notícias - 02 de março de 1919

Carnaval é sinônimo de aglomeração nas ruas e arquibancadas, e aglomerar é um fundamento básico para o bom desempenho de uma escola de samba. O quesito "evolução" avalia justamente a compactação dos componentes e alas durante a progressão dos desfiles, exatamente o contrário do distanciamento social que, infelizmente, ainda se faz necessário.

Descartada a possibilidade de realização dos desfiles inclusive em meados deste ano, como se chegou a cogitar, resta-nos torcer para que o novo triunfo finalmente chegue em 2022. Para a atual campeã carioca Unidos do Viradouro, no quesito perspicácia, o bicampeonato já está garantido. A escola levará para a avenida o enredo "Não há tristeza que possa suportar tanta alegria", fazendo um paralelo entre a folia de 1919 e o desejado triunfo do próximo carnaval.


Torcemos pela realização dos campeonatos regionais entre as agremiações e certamente todos irão torcer para que sua escola do coração obtenha sucesso nas disputas. Entretanto, independente do enredo de cada escola e da sinopse de cada samba, todos os desfiles terão nas entrelinhas a celebração da vida e, enfim, todos seremos campeões. Será de fato o triunfo da alegria sobre a tristeza, a vitória dos reencontros e o preenchimento de um vazio retratado nos versos reproduzidos abaixo, do poeta Ari Mangilli, e nos depoimentos reunidos no vídeo a seguir, de cuiqueiros e cuiqueiras que gentilmente expressaram seus sentimentos sobre este inimaginável carnaval sem carnaval.

SILÊNCIO NO CARNAVAL SEM CARNAVAL
(Ari Mangilli)

Silêncio na passarela iluminada só pela luz da lua, o Carnaval se calou, emudeceu, perdeu o brilho, adormeceu num sono profundo, tudo ficou empoeirado, a cuíca já não chora mais, mas também não sorri, está triste e dolorida, sentida, todos os enredos ficaram com o mesmo tema "Esperança" quem diria que um dia o silêncio seria o ritmo do carnaval, a batucada virou a fé, as fantasias coloridas e reluzentes viraram um pedaço de tecido que mudou a nossa voz, quem diria que a história linda do samba ficaria sem um episódio e em farrapos e com páginas em branco, o samba perdeu a melodia, perdeu a magia, a batucada ficou muda, os sambistas presos e acuados dentro de um quarto escuro, com as baquetas nas mãos sem ter onde bater, as ruas vazias com a dama da noite exalando seu perfume, mas triste sem ter os personagens da noite pra sentir seu perfume, a noite não é mais a mesma, o sereno chora as noites vazias e o orvalho cai triste e não molha mais a relva, as estrelas clamam aos Deuses que tudo volte ao normal, precisamos do samba que é nossa essência a nossa raiz, precisamos do batuque, precisamos da alegria, viver no Carnaval sem Carnaval não dá, viver no Carnaval sem a batucada, sem as cabrochas, sem os sambistas e sem receber que seja uma única nota 10 não dá pra viver surdo e mudo e sem rabiscar o asfalto com meu sapato branco e sem entoar o canto para os quatro cantos e poder gritar é Carnaval, não dá.

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