Há algumas semanas tive a imensa honra de conhecer um grande baluarte do samba, o
Sr. Djalma Sabiá, fundador da
Acadêmicos do Salgueiro e autor de sambas-enredo memoráveis da vermelho e branco. Nascido no Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1925, na altura de seus 86 anos, o Sr. Djalma impressiona pela quantidade de lembranças que ainda guarda na memória. Mas o que me deixou mais emocionado durante esse encontro foi perceber o amor e respeito que ele tem pelo samba. Em sua modesta residência, ele preserva um verdadeiro tesouro com fotos e diversos registros sobre o Salgueiro e o samba de maneira geral. As paredes são tomadas por esses documentos, que guardam histórias maravilhosas de se ouvir, contadas por este senhor que viu tudo aquilo acontecer. A generosidade com que fui recebido por Sr. Djalma em seu grande arquivo/residência me deixou numa dívida eterna com ele, que me emprestou um livro intitulado
Do batuque à escola de samba, publicado em 1976, cujo autor é *
J. Muniz Jr., outro grande sambista, além de jornalista, e que escreveu neste livro um capítulo chamado Estudo da Cuica. O texto é um pouco grande pra colocar em apenas uma postagem, então, separei alguns trechos que virão em postagens futuras.
Estudo da Cuica
Existe uma afirmativa de que a cuica é de origem oriental, e por ser um instrumento utilizado pelo povo durante as festividades típicas, acabou espalhando-se por toda a Europa. O interessante é que a sua forma sempre foi variada, inclusive o seu nome, pois é chamada ronca em Portugal (...) pouti-pout, em Nápoles (Itália); buha, na Romênia; bukat, na Tchecolslováquia; rum-motopi, na Alemanha, e rommel-pot, na Holanda. Consta que na Romênia, o instrumento servia para animar os festejos natalinos, inclusive na Venezuela, onde é chamado furruco. Também já foi vista na Argélia, Cuba, em Luisiana (Estados Unidos) e na Argentina. No batuque de Angola, a puíta era utilizada como um tambor de fricção, sendo ainda chamada lukombey, no Congo. E com a vinda do elemento africano para o Brasil, foi recebendo várias denominações, conforme a região que ia sendo introduzida. Por exemplo: “tambor-de-onça”, no Maranhão; “roncador”, no Pará; “puíta”, no Ceará; “fungador”, “socador”, “boi” e “porca”, no Nordeste e ainda “puíta” e “cuica”, no Rio de Janeiro e noutras regiões do Centro-Sul. Ladislau Batalha já descreveu a puíta como sendo um tambor indígena, formado por um pedaço de tronco grosso, oco, tendo uma das bases coberta por uma pele de animal, bem ressequida e furada no meio e que “a atravessam por um pequeno atilho também de couro, e atalham-lhe por dentro um pau áspero. Produzem uma espécie de troar monótono e feio, correndo os dedos úmidos pela parte interior que, assim manejado, imprime a pele um movimento vibratório. Sobre esse tipo constroem outros instrumentos que produzem roncos mais ou menos agudos”. (...) Embora os indígenas conhecessem uma espécie de puíta, (...) foi com o africano que o instrumento se projetou, pois estava sempre presente nos batuques das senzalas e nos terreiros das casas grandes, passando depois para os foguedos populares e carnavalescos por todo o território brasileiro. Entretanto, a cuica somente veio a popularizar-se em nosso país a partir de 1915, quando passou a ser adotada pelos cordões carnavalescos e grupamentos, aparecendo, posteriormente, na Praça Onze junto com as “escolas de samba”, em forma de barrica, com a vareta presa por dentro do couro, quando o batuqueiro, que a levava debaixo do braço, acompanhava a cadência do samba com um som bastante rouco. (...) A versatilidade dos brasileiros fez com que o instrumento, que apenas produzia um ronco soturno, chegasse ao ponto de soltar notas agudas e graves, e até de fazer solos de músicas populares e clássicas. (...) foi no Brasil que a cuica se adaptou melhor, adquirindo uma sonoridade bem variada, alcançando uma perfeição que não obteve em nenhum outro país. (...) E por se tratar de um instrumento curioso (até muito melindroso), a cuica mereceu de nossa parte um estudo mais acurado, pois no tempo em que o autor desfilava em escolas de samba, ela teve, também a minha preferência, e embora eu não tenha me tornado nenhum mestre da especialidade, cheguei a conhecê-la muito bem, pois a primeira que tive também era de barrica e inclusive foi montada pelas minhas próprias mãos.
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*J. Muniz Jr. – Jornalista e escritor brasileiro nascido em Penedo, AL, em 1933, e radicado em Santos, SP, desde 1939. Sambista ativo, ex-ritmista, passista, mestre-sala, carnavalesco e dirigente, dedicou-se, a partir de
1957, a promover o intercâmbio entre o samba de sua cidade e o do Rio de Janeiro. Assim, participou de congressos e articulações que levaram à realização, em Santos, de eventos como o Primeiro Simpósio Nacional do Samba (1966) e o Primeiro Festival de Samba (1970). Ex-conselheiro da antiga União das Escolas de Samba do Estado de São Paulo, publicou, assinando-se J. Muniz Jr., vários livros sobre o universo dos sambistas, entre os quais
Do batuque à escola de samba e
Sambistas imortais, ambos de 1976.
Fonte: Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana (
Nei Lopes)
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