Intro

Bem vindo ao blog Cuiqueiros, um espaço exclusivamente dedicado à cuica – instrumento musical pertencente à família dos tambores de fricção – e aos seus instrumentistas, os cuiqueiros. Sua criação e manutenção são fruto da curiosidade pessoal do músico e pesquisador Paulinho Bicolor a respeito do universo “cuiquístico” em seus mais variados aspectos. A proposta é debater sobre temas de contexto histórico, técnico e musical, e também sobre as peculiaridades deste instrumento tão característico da música brasileira e do samba, em especial. Basicamente através de textos, vídeos e músicas, pretende-se contribuir para que a cuica seja cada vez mais conhecida e admirada em todo o mundo, revelando sua graça, magia, beleza e mistério.

(To best view this blog use the Google Chrome browser)

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Música 20 - Tem brabo no samba [Cena de Escola de Samba]

A música em destaque neste post vem do álbum Tam… Tam… Tam…!, considerado uma das produções mais preciosas da discografia brasileira, e traz uma gravação de cuíca sem dúvida das mais importantes na história do nosso estimado instrumento musical.

São diversos fatores que tornam Tam... Tam... Tam...! um disco tão precioso. Trata-se da trilha sonora do espetáculo teatral Brasiliana, de Miecio Askanasy, composto de quadros que apresentaram aspectos da história e da cultura afrobrasileira a platéias de países da América do Sul, Europa, África e Oriente Médio, entre 1950, quando o espetáculo estreou no Rio de Janeiro, e 1958, ano em que o disco foi lançado pela gravadora Polydor.

O repertório é formado em grande parte por pontos de candomblé, dentre eles Nanã Imborô, que parece ter inspirado Mas que Nada do genial Jorge Ben Jor. Mas para além deste dado curioso, são os arranjos do maestro José Prates e a execução da orquestra, com destaque para o solo vocal do cantor Ivan de Paula, que de fato traduzem a grandeza do disco. Suas faixas correspondem aos quadros daquele espetáculo teatral, como “O Navio Negreiro”, “Festa do Côco”, “Macumba”, “Funerais de Rei Nagô” e ainda “Cena de Escola de Samba”, subtítulo da faixa Tem brabo no samba, executada para a encenação de um desfile carnavalesco assim descrito na contracapa do álbum:

A escola de samba desceu o morro e já se encontra no centro da grande metrópole carioca em pleno carnaval, enquanto os passistas e cabrochas se refrescavam nos bares das proximidades. O surdo, devidamente afinado, novamente invocou os deuses do ritmo que baixaram, se incorporando nos tamborins, reco-recos, cuícas e agogôs, fazendo-os bradarem num crescente infernal! Tam... Tam... Tam...! Porta-estandarte! Mestre-sala! Cabrochas! Passistas! Bateria! Cantam agora o samba! Hino de alegria... evocação à liberdade daqueles que sofreram o cativeiro, músicas benditas por Deus que fazem o povo sorrir na sua hora mais triste. 



Desde a introdução, a música surpreende pela originalidade, revelando gradativamente a diversidade de timbres da sessão de ritmo formada pelos músicos Mateus (tarol), Waldemar (surdo), Hugo (surdo), Darcy (tamborim), Sabú (agogô), Hélio (reco-reco) e o grande Eliseu Félix (pandeiro), que mais tarde formaria o famoso trio percussivo com Luna e Mestre Marçal. Quanto à gravação da cuíca, nem precisava ter o nome Boca de Ouro na ficha técnica para identificar que foi ele o executante.

Com seu estilo inconfundível, nessa performance o Boca nos dá ainda mais elementos para considerá-lo um dos maiores cuiqueiros de todos os tempos. Esse registro evidencia que ele aplicava a cuíca como um instrumento de função essencialmente melódica, produzindo escalas, glissandos e intervalos de notas nitidamente orientadas pelo sistema tonal. Temos aí, portanto, o que justifica a enorme importância dessa gravação, pois ela nos serve como um excelente material para a reflexão em torno da função musical da cuíca, um assunto ainda pouco discutido, mas muito mais complexo do que podemos imaginar.
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário