Intro

Bem vindo ao blog Cuiqueiros, um espaço exclusivamente dedicado à cuica – instrumento musical pertencente à família dos tambores de fricção – e aos seus instrumentistas, os cuiqueiros. Sua criação e manutenção são fruto da curiosidade pessoal do músico e pesquisador Paulinho Bicolor a respeito do universo “cuiquístico” em seus mais variados aspectos. A proposta é debater sobre temas de contexto histórico, técnico e musical, e também sobre as peculiaridades deste instrumento tão característico da música brasileira e do samba, em especial. Basicamente através de textos, vídeos e músicas, pretende-se contribuir para que a cuica seja cada vez mais conhecida e admirada em todo o mundo, revelando sua graça, magia, beleza e mistério.

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quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Cuíca [AO VIVO]

Definitivamente, 2020 deixa um marco na história da humanidade. Descontando toda a tristeza desse ano (quem dera isso fosse possível), ficaríamos com algum saldo positivo, a exemplo da consolidação das lives como uma via para atuação profissional e para o entretenimento. Nesse contexto, claro, a cuíca não ficou de fora.

Ao que tudo indica, a primeira live cuiquística foi realizada pelo Espaço Batuque Digital, no dia 1º de abril, tendo como convidado o jovem veterano Jota da Cuíca. Na época, como ainda não havia a possibilidade de manter as lives salvas no Instagram, lamentavelmente, perdemos essa gravação. Mas vale o crédito à título de registro.

Divulgação do Espaço Batuque Digital - Live com Jota da Cuíca
Divulgação do Espaço Batuque Digital - Live com Jota da Cuíca

Na sequência, em comemoração ao Dia da Cuíca (21 de abril), a Confraria Gambito de Ouro promoveu a Semana da Cuíca CGO, que se desdobrou até setembro, contabilizando o total de 25 episódios - reunidos nessa playlist. De toda a serie, vale destacar a entrevista com Índio da Cuíca, como sempre, dando um show a parte.


Aproveitando o embalo, Paulinho José, presidente da CGO, realizou também lives pedagógicas; participou de um bom papo com mestre Léo Capoeira, da bateria Caldeirão da Zona Oeste; e foi ainda um dos convidados de Cota Pagodeiro em dobradinha com Sandro da Cuíca. Além deles, Cota também entrevistou Ricardo Santana, o uruguaio Carlinhos, e o coletivo Mulheres da Cuíca, que também promoveu sua própria serie de lives.


A cuíca também ganhou destaque nas lives do coletivo Mulheres no Ritmo, cabendo nossa representação à Van Van Alves. Já o coletivo Sociedad del Gambito realizou uma serie de entrevistas com nossos hermanos cuiqueiros da Argentina, ao passo que o canal Batuka Floripa promoveu um bate-papo entre diretores de cuíca de alguns blocos e escolas de samba da ilha catarinense. De forma semelhante, a Bateria Puro Sentimento, de Manaus, expandiu o debate para a região Norte, e o canal Ritmista Brasil reuniu uma trinca de ouro da cena paulistana, incluindo nosso mestre Osvaldinho da Cuíca.


Como parte do Festival Som dos Tambores, Fabiano Salek também seguiu a linha pedagógica, enquanto Marquinhos Cuíca Frenética liderou seu bom pagode e Ronaldinho da Cuíca deu o tom de sua garbosidade. Finalmente, J. Muniz Jr., o Marechal do Samba da baixada santista, foi convidado para a estreia do projeto Cuíca Online, encerrando a temporada 2020 de transmissões ao vivo. No ano que vem tem mais, caros "livespectadores". Força e saúde plena!!!

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domingo, 22 de novembro de 2020

Dez anos sem Ovídio Brito

O dia de hoje marca exatamente dez anos que perdemos nosso mestre Ovídio Brito. Discípulo de cuiqueiros célebres como Germano, da Mocidade Independente, e Mestre Marçal, certamente sua maior referência, Ovídio se notabilizou como um dos principais cuiqueiros da história e um dos maiores sambistas do seu tempo.


Mas o que faz um cuiqueiro entrar para a história? E o que mede a grandeza de um sambista? No caso de Ovídio, as respostas parecem estar no diálogo abaixo, entre Marcelinho Moreira e Jorge Quininho. É interessante notar como eles se referem a Ovídio e à cuíca como entidades que se confundem num corpo só. Quininho é explícito ao dizer que Ovídio tinha de fato a cuíca como parte do seu corpo e Marcelinho sugere que as palavras "cuíca" e "Ovídio" são como sinônimos para ele.


A reverência a Ovídio demonstrada nessa conversa representa o pensamento que todos que o conheceram de perto compartilham com unanimidade: que Ovídio foi um gênio por sua sensibilidade musical, e um anjo pela passagem inspiradora na terra. E como se vê, este pensamento vem sendo transmitido para as futuras gerações, aí representadas por João Moreira, filho de Marcelinho, e Pedrinho da Serrinha, filho de Quininho, garantindo que Ovídio será sempre lembrado como um membro da fina flor do samba.

Mas nenhuma reverência seria capaz de expressar a relação entre Ovídio, sua cuíca e o samba com tanta profundidade quanto o testemunho pós morte que o próprio Ovídio enviou, pouco tempo depois de sua partida, numa carta psicografada dirigida à sua grande amiga Bianca Calcagni, confiando a ela, no exercício de sua fé, a mensagem abaixo (que Bianca lê e comenta no vídeo em seguida):

Bianca, obrigado. Obrigado por me permitir escrever. Obrigado por lembrar-se de mim. Obrigado por tudo. Esta mensagem eu dedico à vocês e aos meus amigos, aos meus familiares, essa “pequena senzala livre”, a todos os músicos e intérpretes que sabem ganhar o mundo com seu talento, à minha cuíca, meu instrumento que já fazia parte do meu corpo.
 
Meus amores, o sono me venceu e o cansaço me dominou, o acidente automobilístico me trouxe à uma nova roda de samba, o choro estridente de minha cuíca soa pelos céus. Sou um músico feliz por ter podido tocar minha verdade e mostrar minha arte para o mundo. O samba é capaz de sintetizar os fatos vividos por pessoas comuns, nosso povo, nossa alma guerreira. Fui negro, sou negro e a negritude se manifesta nas culturas diversas do meu Brasil. Uma grande mistura de crenças e raças, uma babel cultural, uma pajelança de ritmos. Manifesto neste texto o que sinto, o que conquistei, o que vivi. 

Toco minha alma no acorde da vida e acordo vivo. O céu nunca mais foi o mesmo desde a minha chegada, por fim ponho pra quebrar e coloco anjos pra requebrar. Sambo miudinho, sambo juntinho, partido alto ou gafieira, samba sincopado ou samba enredo. Passei pela vida como um passista passa pela avenida, com muita alegria.

Quando sentirem saudades de mim agucem os ouvidos e ouçam meu ritmo sendo tocado no vento. Vou caminhar pelo palco da verdadeira vida e como companheira inseparável minha cuíca. Um samba vou fazer, um samba vou tocar, um samba vou sambar, um samba vou viver. 

À todos aqueles que sabem viver e aprender com a vida. À todos aqueles que fazem o que amam e amam a vida.

Meu obrigado.

Ovídio.



Diante disso, não há muito o que acrescentar. Só nos resta expressar nosso mais profundo agradecimento à Bianca por dividir conosco um documento tão íntimo e precioso, assim como à família do Ovídio pela autorização de publicá-lo. Independente de crença ou descrença individual, certamente todos que o admiram se alegram em saber que Ovídio seguiu com sua inseparável cuíca e com o toque de prima do seu samba; e que permanecerá aqui como "flor-luz que influi nas gerações", conforme ele mesmo canta em Eterna Paz.

sábado, 31 de outubro de 2020

A cuíca no podcast "Nó na Garganta"

O programa Nó na Garganta, da Escola de Choro de São Paulo, lançou recentemente dois excelentes episódios dedicados à cuíca. 

O primeiro compõe a série Telecotecos Africanos e Brasileiros, que investiga traços de DNA africano na música brasileira tomando o famoso "telecoteco" do samba e do choro como filamento genético dessa relação. 

Partindo da audição de um belo solo de cuíca executado pelo magistral Alfredo Castro e de uma incrível gravação de puíta registrada em Angola pelo pesquisador Gerhard Kubik, o programa segue um trajeto de reflexões instigantes pautadas em valiosos documentos sonoros.


Já o segundo programa integra a série Timbres e seus Gênios e se concentra nas modificações sonoras que a cuíca sofreu ao longo do tempo e que a afastaram da semelhança com o timbre de outros tambores de fricção, como a puíta angolana, característica da fase inicial de sua história.


Também com ilustração de um rico repertório e tendo por base importantes fontes históricas, o programa nos conduz à triste constatação de que a evolução sonora da cuíca, apesar da relevância musical e estética, teve grande motivação na desigualdade social, preconceito e discriminação racial que ainda hoje nos violenta como herança dos quase quatro séculos de escravidão no Brasil. 

Constatação triste, mas necessária de ser feita e infinitamente refeita. Pois, se um traço tão marcante da cuíca, sua sonoridade que tanto nos encanta, resulta de algo tão terrível, não podemos considerá-la apenas como um instrumento musical. A cuíca se revela também como instrumento de denúncia e combate ao racismo e à injustiça.

É uma grande satisfação que esse humilde espaço cuiquístico tenha contribuído para o programa Nó na Garganta produzir um conteúdo tão importante e oportuno. Fica aqui também a nossa saudação aos amigos chorões, em especial ao professor Enrique Menezes, a quem agradecemos pela aula e pela oportunidade de redimensionar a nossa responsabilidade de cultivar a chorona.
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sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Homenagem a Zeca e Marçal

Hoje, precisamente neste 11 de setembro de 2020, o blog Cuiqueiros completa dez anos de existência. Não haveria maneira melhor de celebrar essa marca do que reverenciando a memória de dois dos nossos maiores ícones: Mestre Marçal, que faria 90 anos no último dia sete; e Zeca da Cuíca, de quem lamentamos o falecimento no último dia quatro.

Zeca da Cuíca | Fonte - @utopicas_colagens

José de Oliveira, o nosso Zeca da Cuíca, ou simplesmente ZK, como ele mesmo costumava usar, partiu dormindo, aos 86 anos, em sua residência no morro de São Carlos, onde morou durante praticamente toda sua vida. Coube ao GRES Estácio de Sá comunicar a triste notícia da partida do baluarte, prestando a primeira das muitas homenagens que o seu Zeca vem recebendo, como esta bela colagem acima, de William Gomes, e também a interpretação de "O ronco da cuíca" durante a live do Samba do Trabalhador, cuja versão original não seria a mesma sem a magnífica cuíca gravada pelo Zeca. Na verdade, ele nos deixou inúmeras outras gravações magníficas em discos de artistas dos mais renomados, marcando também o seu nome na história da música brasileira como um dos maiores cuiqueiros do seu tempo. No mundo do samba, em especial, Zeca representava um elo com uma realidade atualmente acessível apenas em documentos e na memória dos antigos. Para nossa sorte, ele deixou algumas de suas lembranças gravadas na série Matrizes do Samba do Rio de Janeiro, produzida pelo Centro Cultural Cartola, em 31 de janeiro de 2009, falando de sua infância, família, sua carreira e de sua íntima e apaixonada relação com a cuíca, o que fica ainda mais nítido nos momentos em que entremeia a conversa com os sons de sua chorona.  


Nilton Delfino Marçal, o nosso Mestre Marçal, já nos deixou há mais tempo, tendo falecido no dia 9 de abril de 1994 com apenas 63 anos. Seu pai, o grande compositor Armando Marçal, faleceu ainda mais precocemente, com 44 anos, deixando para o filho seu posto na Rádio Nacional, o primeiro emprego de Mestre Marçal como músico profissional. A partir de então, sua biografia seria marcada por episódios que o elevaram à condição de um dos maiores sambistas de todos os tempos. Dos programas de rádio como percussionista e das primeiras apresentações como cantor em gafieiras, passando pelos desfiles de carnaval como ritmista e diretor de bateria, se tornou um dos músicos mais requisitados para gravações em discos, dentre as quais se destacam suas magistrais atuações tocando cuíca. Mais tarde, chega a ter sua própria discografia, passando de acompanhador a protagonista. Sua história pode ser melhor conhecida através da bela pesquisa de Vinícius Barros; sua personalidade, pelo fascinante depoimento de Wilson das Neves; e sua própria pessoa, pelo programa Ensaio gravado na Tv Cultura, em 1991.


Zeca e Marçal nasceram em momentos bem próximos, 1934 e 1930, respectivamente, partiram em momentos bem distantes, e agora ambos se encontram na eternidade. Melhor seria imaginar que agora eles se reencontram na eternidade, que agora podem se rever e reviver a amizade que inspirou a composição "Dois sem vergonha", e que suas cuícas possam novamente dialogar, endiabradas, na língua dos anjos.


Obrigado, muito obrigado, muitíssimo obrigado a todas e todos que acompanham este humilde espaço cuiquístico. Que venham mais dez!

terça-feira, 21 de abril de 2020

Vídeo 24 - 10º encontro de cuiqueiros do RJ

O cuiqueiro é mesmo um ritmista diferente. Investe do próprio bolso para se manter na bateria, comprando couro e demais apetrechos para um instrumento caro por si só. Nenhuma outra peça exige manutenção tão regular como a cuíca e, quando muito, aquelas que necessitam são financiadas pela própria escola (o que aliás é o ideal). Mesmo sem essa sorte, o cuiqueiro não esmorece e segue firme para se garantir no próximo carnaval. E há uma explicação: é que a relação do cuiqueiro com o seu instrumento é especial. A intimidade entre o cuiqueiro e sua cuíca é algo que ultrapassa o caráter utilitário dos objetos e atinge um grau de relação onde a cuíca é vista quase como um ser vivo pelo seu proprietário. E isso fica explícito no sentido de pertencimento no nome que muitos cuiqueiros assumem pela designação "da cuíca". Sem desmerecer os demais instrumentos, nenhuma outra peça da bateria é assimilada ao nome dos seus ritmistas com tanta naturalidade e frequência. Fulano da caixa ou Sicrano do surdo é algo raro de se ver, mas Beltrano da Cuíca tem aos montes! Somos da cuíca, nós é que pertencemos a ela, somos nós os instrumentos dela. Mas isso parece ser incompreensível por parte de alguns que não vivenciam este sentimento. Apesar de ser um instrumento muito admirado em todo o mundo, a cuíca é também muito desprezada, inclusive no próprio ambiente do samba. No entanto, como dito, o cuiqueiro não esmorece e segue firme para se garantir no próximo carnaval. E há outra explicação: é que o cuiqueiro é um ritmista tão diferente que nem espera chegar o período de ensaios do carnaval seguinte para matar a saudade da chorona. Deu um jeito de antecipar o encontro entre seus pares para extravasar o sentimento que não aguenta segurar por muito tempo. Assim, instituiu o dia 21 de abril como o Dia da Cuíca e, desde então, passou a celebrar a data informalmente. Entretanto, novamente sem a intenção de desmerecer os outros naipes, a data agora é oficial e nenhuma outra peça da bateria tem o seu próprio dia sacramentado em lei, conforme se lê no Projeto de Lei Nº 197/2013 que oficializou o Dia da Cuíca no calendário da cidade do Rio de Janeiro: "o dia 21 de abril de 2005 marcou a realização do 1º Encontro de Cuiqueiros - RJ, na quadra da G.R.E.S. União de Jacarepaguá, reunindo ritmistas de várias escolas, amantes da cuíca, num ambiente de harmonia, confraternização e alegria, sem fins lucrativos e com entrada franca, por iniciativa de João da Cuíca da GRES Portela, aliado a um seleto grupo de amigos igualmente cuiqueiros tais como: Hildebrando (Portela), Hélio Naval (Império Serrano), João Grande, Xanduca e Carlinhos (Mangueira), Reginaldo (Império Serrano), Hélio e Niquinho (Imperatriz Leopoldinense), Luiz (Caprichosos de Pilares), Sena (Arranco) etc". A cuíca ganhou seu próprio dia graças à iniciativa desses mestres e, indiretamente, graças a todos os seus admiradores e cultores que vêm se renovando de geração em geração, ano após ano, em toda parte. Neste ano, devido à pandemia, infelizmente não será possível celebrar a 16ª edição do encontro que marca o início de toda essa história. Mas pra gente não esmorecer e, simbolicamente, reviver este momento, seguem imagens inéditas do evento de 2014, nos projetando para aquele ambiente de plena felicidade. Viva a cuíca e viva todos os cuiqueiros e cuiqueras de hoje, de ontem e de sempre! Parabéns pra todos nós!

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segunda-feira, 30 de março de 2020

A cuíca nas baterias universitárias

*por Lineker Oliveira e Paulinho Bicolor

Reza a lenda que a expressão "escola de samba" surgiu de uma analogia feita pelo compositor Ismael Silva entre o bloco Deixa Falar, criado por ele e seus amigos no bairro carioca Estácio de Sá, e a Escola de Normalistas situada no mesmo bairro, que formava professoras para os colégios do município. Ismael via os bambas da Turma do Estácio como "professores" e o Deixa Falar seria a "escola" onde eles ensinavam samba. Mas há quem duvide que a expressão tenha surgido deste insight do sambista, afirmando ser mais provável que o famoso rancho Ameno Resedá, conhecido como "rancho escola" antes do Deixa Falar existir, tenha inspirado a denominação que os sambistas passaram a usar em suas agremiações. De todo modo, o que há de mais significativo na origem dessa expressão é o fato de vincular uma prática cultural marginalizada - o samba - a uma instituição socialmente respeitada - a escola. Segundo o historiador Luiz Antônio Simas, na década de 1920, enquanto os sambistas buscavam pavimentar caminhos de aceitação social, o Estado procurava disciplinar as manifestações culturais das camadas populares. A expressão "escola de samba", portanto, independente de como surgiu, possivelmente logo se firmou por sintetizar um grave dilema social, equilibrando os interesses do Estado e dos sambistas naquela época. Desde então, outras expressões ligadas ao sistema educacional foram assimiladas ao universo do samba, como o termo "acadêmicos", presente no nome de várias agremiações, o termo "mestre", dado aos regentes das nossas orquestras e, mais recentemente, com as jovens e irreverentes baterias universitárias, que levam esse jogo de palavras, na prática, para muito além do vocabulário.



As baterias universitárias foram originalmente criadas para incentivar torcidas e atletas em torneios esportivos. A primeira de que se tem notícia, a Bateria Charanga, foi criada em 1969 por alunos do curso de engenharia da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais. Hoje, segundo levantamento do blog Bateria S/A, existem aproximadamente trezentas espalhadas por todo o Brasil. Elas continuam animando as arquibancadas dos torneios esportivos, mas adquiriram vida própria, organizadas em ligas regionais como a LIBURJ, a LBMG e a CWBU, associadas à liga nacional - LNBU, contando com sistemas de gestão e programas de atividades cada vez mais elaborados. Além do cronograma de ensaios, a agenda inclui festas de casamento e formatura, bem como uma série de campeonatos acirrados e, claro, regados por muita curtição. Os principais são o Balatucada, o Interbatuc, a Taça das Baterias Universitárias - TABU, e a Copa das Baterias Universitárias - CBU. O regulamento desses campeonatos se assemelha aos critérios de julgamento aplicados às baterias das escolas de samba, que servem também de parâmetro às características da batucada e instrumentação de cada grupo. Nesse ponto, uma bateria em especial se destaca de todas as demais por ser a única com um naipe de cuíca consolidado em sua formação: a Bateria Bandida.
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Fundada em 2007 na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo - EACH-USP, a Bateria Bandida não hesita em ostentar o prestígio de ter a chorona em sua formação, o que fica evidente em seu brasão e também no seu lema: se a cuíca chorou é o Bonde da Leste! A swingueira que sacode a torcida EACHiana! O primeiro diretor das cuícas do Bonde da Leste, Renan Costa, nos deu um interessante relato sobre a representatividade da Bandida no cenário universitário e o quanto isso se deve à sua própria atuação e pioneirismo, como se observa nesse trecho da nossa conversa:



O protagonismo da cuíca na Bateria Bandida, apesar de ainda não se refletir em outras baterias universitárias, tem reverberado de forma bastante efetiva no meio das escolas de samba. O próprio Renan, por exemplo, é o atual diretor de cuíca na Unidos de Vila Maria e sua substituta na direção das choronas na Bateria Bandida, Alice Caliento, mais tarde saltaria do Bonde da Leste para liderar o histórico naipe formado só por mulheres na Acadêmicos do Tatuapé.

Outra forma da Bandida demonstrar o quanto a cuíca é importante em sua formação se dá por meio de um momento em suas apresentações chamado "chora cuíca", um breque especialmente reservado para o destaque das choronas, recriado a cada ano em novas convenções. O vídeo abaixo registra o "chora cuíca" de 2014, apresentado no torneio Balatucada. Com ele encerramos essa postagem torcendo que seu título - no plural - um dia faça sentido em gênero, número e grau. Vida longa à Bandida! Chora cuíca!!!


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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Osvaldinho da Cuíca - 80 anos

Hoje é dia de reverenciar um dos nossos maiores mestres: Osvaldo Barro, o nosso querido Osvaldinho da Cuíca, completa hoje 80 anos de vida! Paulistano nascido no Bom Retiro, foi cedo viver com a avó em Poá, cidade próxima à capital paulista. Ouvindo-a cantar cateretês à luz da lamparina, escutando rádio pelo serviço de autofalantes da pracinha e observando os festejos do carnaval local, o pequeno Osvaldinho teve ali os seus primeiros contatos com a música. No final dos anos 1940, voltou a morar com uma tia em São Paulo, onde definidamente se encantou pela batucada ao ver e ouvir nomes como Herivelto Martins, Monsueto e Ataulfo Alves nos cinemas que contagiavam a atmosfera cultural na década de 1950. A inspiração dos filmes o levou a transformar a ferramenta de trabalho do seu primeiro ofício, uma caixa de engraxate, no instrumento musical em que pôde dar as primeiras exibições de sua imensa habilidade percussiva.


Habituado a fazer ponto na frente de uma gafieira do Tucuruvi, engraxando sapatos e batucando na caixa, Osvaldinho logo fez amizades com os sambistas da região, integrantes dos cordões que viriam a formar algumas das atuais escolas de samba da Paulicéia. Aos 14 anos, entrou para o cordão Garotos do Tucuruvi, onde compôs os seus primeiros sambas e se aproximou dos instrumentos que o tornariam famoso, principalmente a sua amada cuíca, inspirado por grandes cuiqueiros da época como Zé da Rita e Boca de Ouro. Aos 18 anos, já havia se tornado um músico profissional, participando de gravações em discos como percussionista, acompanhando diversos cantores e cantoras em casas noturnas e programas de rádio, mas foi no grupo de teatro popular do poeta Solano Trindade que ganhou seu nome artístico, conforme ele mesmo relata em entrevista ao Museu da Imagem e do Som de São Paulo. O nome Osvaldinho da Cuíca, ao se espalhar pelo mundo, se transformou numa verdadeira bandeira de popularização da "chorona" e não faltam provas para evidenciar o quanto ele foi e ainda é um cuiqueiro excepcional.



Muito mais do que um ícone para a cultura da cuíca, Osvaldinho herdou o posto de autêntico símbolo do samba paulista, equiparando-se a nomes como Geraldo Filme, Henricão, Adoniran Barbosa e Germano Mathias, dos quais continua sendo um discípulo fiel. A passagem pelo conjunto Demônios da Garôa foi um importante acontecimento em sua ascensão artística, bem como a constante atuação em diversas frentes da Vai-Vai, sua escola do coração, por três vezes campeã com sambas de sua autoria, dos seis que ele teve a felicidade de cruzar a avenida sambando com a maestria digna de um genuíno mestre-sala. Sua trajetória é também marcada pela discografia que apresenta seu valioso trabalho autoral (num total de sete discos) e ainda pela grande contribuição à preservação da memória do samba em publicações como Batuqueiros da Paulicéia, do qual é coautor. Já o livro Sampa, Samba, Sambista, de Maria Aparecida Urbano, narra a vida desse grande artista de forma muito mais detalhada do que cabe na singela homenagem que prestamos aqui. Devemos ser gratos ao tempo por dar ao nosso mestre tamanha longevidade. Osvaldinho chega aos 80 anos de vida, mas há muito que seu nome já se tornou eterno. Viva Osvaldinho da cuíca! Viva o nosso mestre!
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