Intro

Bem vindo ao blog Cuiqueiros, um espaço exclusivamente dedicado à cuica – instrumento musical pertencente à família dos tambores de fricção – e aos seus instrumentistas, os cuiqueiros. Sua criação e manutenção são fruto da curiosidade pessoal do músico e pesquisador Paulinho Bicolor a respeito do universo “cuiquístico” em seus mais variados aspectos. A proposta é debater sobre temas de contexto histórico, técnico e musical, e também sobre as peculiaridades deste instrumento tão característico da música brasileira e do samba, em especial. Basicamente através de textos, vídeos e músicas, pretende-se contribuir para que a cuica seja cada vez mais conhecida e admirada em todo o mundo, revelando sua graça, magia, beleza e mistério.

(To best view this blog use the Google Chrome browser)

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Homenagem aos cuiqueiros [por Antônio Miranda]

O texto reproduzido nesta postagem é um lindo depoimento de Antônio Miranda, mais conhecido como Toninho Professor, cuiqueiro da pesada, professor de Biologia nas horas árduas e, segundo o próprio, atrevido a brincar com as palavras de vez em quando. Trata-se de uma bela homenagem a todos os amantes da cuíca que revela sua profunda paixão pela "chorona" (o que para mim não é surpresa nenhuma)Em 2004, desfilamos juntos pela Paraíso do Tuiuti e entramos na avenida lado-a-lado com o dia já amanhecendo. Quando olhei, ele estava aos prantos, extremamente emocionado, chorando e sorrindo ao mesmo tempo. Aquele foi o primeiro desfile da minha vida e foi naquele momento, observando o Toninho, que eu entendi o que é ser um cuiqueiro. Obrigado professor!

HOMENAGEM AOS CUIQUEIROS
Cuiqueiro que se preza não pode ver uma câmera! Tá sempre rindo e de boca aberta. Mas por que será que todo cuiqueiro sorri? Sorri porque a arte de tocar cuíca é para poucos. Bem poucos. Sim, tocar cuíca é fácil. Mas tocar com alma é outro papo. Tocar com alma é colocar o sentimento em cada nota que tira, em cada puxada na vareta, em cada agudo tirado. É tocar como se a cuíca fosse a extensão de seu corpo e o traduzir de sua alma.

Diferente dos outros, cuíca não se bate! Cuíca se toca. Se toca, ô cara! Não é só, como diz o povo que gosta de sacanear os cuiqueiros, “puxar o pau”. É muito além disso. É tratar o instrumento como a mulher amada, é tocar com carinho, com sentimento de modo a obter de cada nota o mais belo dos sons, deixando, a cuíca (e a mulher amada também!) como em pleno estado de gozo. Gozo para quem toca e para quem ouve também. 

Sem esquecer a importância das caixas, surdos, repiques, tantãs, tamborins e os outros, temos na cuíca um instrumento mágico. Mágico por sua diversidade de possibilidades e mágico porque os leigos imaginam como é tocado. De tão mágico, atrai sempre o rebolar da mulata, as cadeiras da passista que, como enfeitiçada, vem sambar pertinho para delírio do cuiqueiro. É por isso que abre aquele puta sorriso! Tinha que ser diferente? Francamente não.

Já passei por diversas situações de chegar pleno desconhecido em uma roda de samba e, após a primeira gargalhada na cuíca, atrair o olhar de muitos. Chego cuiqueiro anônimo. Saio cercado de amigos. Certa vez, em uma dessas rodas, escutei uma frase que traduz muito disso. “Quem chega com uma cuíca não tá de inocente na roda...”. Acho que é isso mesmo. Quem toca cuíca sabe o que faz e como faz. Sabe dar a chorada bonita no samba de mesa, quando a canção exige, dando, além do molho e suingue, um ar de tristeza e dor de cotovelo para, no minuto seguinte, cair na gargalhada trazendo a alegria geral.

De tão incomum, o instrumento vira sobrenome. É comum conhecermos os Fulanos e cicranos da cuíca! (Não vou aqui nomear nenhum para não cair na injustiça com os demais.). Mas não se conhecer fulano do surdo, beltrano da caixa... é coisa só de cuiqueiro mesmo!

Porque, a cuíca, vira a extensão de si mesmo? Além de ser tocada junto ao corpo, a cuíca exprime um pouco da alma humana, da alegria e da tristeza, da marcação contínua que dá o suingue, da rápida aparição e destaque para, no minuto seguinte misturar o seu suingue a todos os outros, completando com cada nota, cada toque o desenho da percussão.

Como disse o Natal, “se bateria de escola de samba fosse sinfônica, a cuíca seria o violino”. Nem precisa dizer o quanto concordo com ele. E, mais que isso, ser cuiqueiro é ter em si o pleno estado de arte, de graça, o sorriso de quem admite que a vida é bela, mesmo nas choradas de tristeza que a cuíca dá e que são plenamente compensadas pelas gargalhadas dela mesmo que contagiam ao cuiqueiro e a todos que ouvem. Em suma, ser cuiqueiro é conhecer de pertinho bem mais que as cadeiras da mulata, da passista. Ser cuiqueiro é ter respeito à alegria da vida.
.