Intro

Bem vindo ao blog Cuiqueiros, um espaço exclusivamente dedicado à cuica – instrumento musical pertencente à família dos tambores de fricção – e aos seus instrumentistas, os cuiqueiros. Sua criação e manutenção são fruto da curiosidade pessoal do músico e pesquisador Paulinho Bicolor a respeito do universo “cuiquístico” em seus mais variados aspectos. A proposta é debater sobre temas de contexto histórico, técnico e musical, e também sobre as peculiaridades deste instrumento tão característico da música brasileira e do samba, em especial. Basicamente através de textos, vídeos e músicas, pretende-se contribuir para que a cuica seja cada vez mais conhecida e admirada em todo o mundo, revelando sua graça, magia, beleza e mistério.

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terça-feira, 31 de maio de 2011

Villa Candeia


A fotografia acima registra um quadro com a imagem da capa do disco Axé!, de Antônio Candeia Filho, inquestionavelmente um dos maiores sambistas que esse mundo já viu; e pendurada no canto do quadro está a caricatura de Heitor Villa Lobos, um dos maiores compositores de música de concerto de todos os tempos.

Já faz um tempo que penso em escrever uma postagem reunindo esses dois gênios e fui praticamente obrigado a finalmente escrevê-la ao me deparar com a cena dessa fotografia, há poucos dias, num bar chamado Semente, pequenininho, mas de uma importância sem tamanho para o atual cenário musical do Rio de Janeiro.

Mas essa história é só pretexto para introduzir a verdadeira razão dessa postagem, que é reunir aqui outras duas imagens incríveis destes mesmo personagens (pasmem!) tocando cuíca. O detalhe é que nenhum dos dois era cuiqueiro de fato. O Candeia, como sua própria filha Selma me contou, mal sabia tocar violão; cuíca mesmo, ela nunca viu o pai tocar. Já o Villa Lobos, pelo que nos consta, tocava violoncelo e violão; cuíca também não era a praia dele não.

Capa do LP "A Vez do Morro"
Acima, vemos a imagem da capa do disco A vez do Morro, do conjunto Mensageiros do Samba da Portela. Da esquerda para a direita, estão: Arlindo, no cavaquinho (pai do famoso Arlindo Cruz); Casquinha, no afoxé; Candeia, na cuíca; Picolino, no tamborim; e Jorge do Violão, no próprio violão. Na realidade, o Candeia está apenas fazendo pose com a cuíca para a foto, pois quem realmente gravou a cuíca neste disco foi Casemiro Vieira, eterno integrante da Velha Guarda da Portela, falecido há cerca de dois anos.

Já a foto do Villa Lobos me foi enviada por um grande amigo e professor, Tuninho, vulgo Antônio Miranda, a quem devo minha iniciação no mundo cuiquístico. Não sei onde ele encontrou essa foto maravilhosa do Villa brincando com uma cuíca, que de fato mais parece um brinquedo do que uma cuíca propriamente dita. Trata-se de um registro que demonstra aquilo que nunca foi segredo na personalidade deste genial compositor, sempre atento em aproximar a cultura erudita e a cultura popular, o que aliás é marcante em sua obra.

Heitor Villa Lobos
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Já que estamos falando de "cuiqueiros" inusitados, aproveito o ensejo para dizer que fui informado pelo amigo Barão do Pandeiro, que o cuiqueiro na cena do filme Alô, Alô Carnaval, citado da postagem Vídeo 7 - Molha o Pano, é Alcebíades Barcellos, imortalizado como Bide, autor de sambas antológicos ao lado de Armando Marçal, pai do nosso venerado cuiqueiro Mestre Marçal. Assim como Candeia e Villa Lobos, não constam muitos registros que comprovem a atuação de Bide como cuiqueiro, mas pelas cenas do filme, ele parece ter sim alguma intimidade com a chorona. Completando a bem-vinda informação do amigo Barão, aparecem também naquela cena: Benedito Lacerda, na flauta; Canhoto, no cavaquinho; Ney Orestes e Carlos Lentine nos violões; e Russo do Pandeiro. 
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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Música 7 - Cuica e Viola

Este samba, Cuica e Viola, foi gravado em 1974 pela Elizeth Cardoso, no maravilhoso disco Feito em Casa. Os autores são Romildo e Toninho, hoje em dia conhecido como Toninho Nascimento.


Todo o repertório desse álbum é excelente! As interpretações da Elizeth são "divinas" e o acompanhamento dos músicos, nem se fale! Tenho esse LP, mas está sem o encarte e não pude verificar a ficha técnica para saber quem são os músicos. Mas afirmo com 99,9% de certeza de que a cuica foi gravada pelo Mestre Marçal. Suas frases são inconfundíveis, cheias de sentimento, sutileza e muita malandragem...


Cuica e Viola (Romildo e Toninho)  



Cuica e Viola
(Romildo e Toninho)

Troquei minha viola por uma cuica
Eu troquei
Vamos ver como é que fica
Eu não sei

Viola tem corda, mas não repinica
Viola se afina, cuica se estica
Em roda de samba viola é quem chama
Cuica reclama quem forma o cordão
Diz um verso e vai embora
Quem fica de fora é quem puxa o refrão

Refrão

O meu sapato é o piso do meu bairro
Ando firme e só deslizo quando é ponta de cigarro
A minha casa não tem porta é só telhado
É por lá que o vento entorta, entra e sai por todo lado
O meu pandeiro dá canseira em quem maneja
Ele é feito de madeira e com tampa de cerveja

Refrão

Foste o primeiro embaraço em meu caminho
E passei um bom pedaço com meu peito em desalinho
Sou da Portela, sou de fato partideiro
Teu olhar é meu retrato, teu sorriso é meu dinheiro
Eu nunca fico preso em remandiola
Nem aceito o teu desprezo por cuica ou por viola


quarta-feira, 18 de maio de 2011

Curtume São Sebastião

Encontrei ontém nuns guardados aqui em casa uma matéria do Jornal do Brasil falando sobre o Curtume São Sebastião. Foi escrita pelo jornalista Múrcio Bezerra e publicada no dia 1º de fevereiro de 2004. Resumi o texto nas partes mais interessantes. Vejam que bacana!

Jornal do Brasil (01/fev/2004)
Um curtume do barulho entra no maior cartaz nessa época do ano, quan- do se transforma no prin- cipal pronto-socorro de cuicas furadas, tamborins estropiados, repiques que- brados e bumbos velhos de guerra. É no curtume São Sebastião, na Rua Doutor Alberto Torres, 2003, em Porto Velho, São Gonçalo, que desde 1930 funciona uma ofici- na de consertos de ins- trumentos de percussão conhecida por dez entre cada dez mestres de bateria das escolas de samba do Rio. (...) Aqui só uso os couros de cabra, bode e cabrito que vêm do Nordeste - diz Nílton Rocha Lopes, viúvo, 71 anos, dono do curtume herdado de seu pai. (...) Nílton também vende couros curtidos e já cortados no tamanho adequado a cada instrumento. Devoto de São Sebastião - há uma imagem do santo, sempre iluminada com luz vermelha dentro do curtume - ele reza para que o tempo fique ensolarado até o carnaval. Precisamos do sol para secar os couros. Sem sol, tenho medo de não dar conta dos pedidos - diz ele, que não está aceitando mais encomendas para este carnaval. Antes de ficar um dia sob o sol, os couros passam dois dias mergulhados numa solução de ácido sulfúrico e alume de potássio. De lá, passam para um tanque com cloro. Em seguida, um funcionário raspa os pelos do couro. As peles, então, são esticadas, pregadas em tábuas e postas para secar. A última fase é a do corte. Um couro de cabra, bode ou cabrito só dá pra fazer um bumbo. (...) Nílton só assiste aos desfiles das escolas de samba pela televisão, em Araruama, para onde vai descansar uns dois dias antes de voltar a preparar os couros para o desfile das campeãs. E diz que o serviço nessa época do ano é duro, mas compensa, porque é preciso acumular dinheiro para enfrentar a fase das vacas magras - ou, no caso, das cabras.

Fotos do Curtume São Sebastião:

 Oficina

Peles de cabra antes do curtimento

Peles já curtidas sendo preparadas para secar ao sol

Peles já curtidas secando ao sol

Peles curtidas secas prontas para o corte

Peles já cortadas prontas para o uso

domingo, 8 de maio de 2011

Cuiqueiros 2 - Alfredo Bessa



Alfredo Bessa nasceu no Rio de Janeiro, em 1933. É um percussionista completo, mas tocando cuica, dava um "molho" todo especial acompanhando um dos maiores compositores da música brasileira, Baden Powell, com quem viveu os principais momentos de sua carreira. Além de tocar com Baden, Alfredo trabalhou também com muitos outros nomes importantes da MPB, dentre eles: Martinho da Vila, Elis Regina, Lamartine Babo, Clara Nunes, Tom Jobim, Chico Buarque de Holanda, Vinícius de Moraes e Paulo César Pinheiro, com quem compôs Ponto do Caboclo Desengano, numa tríplice autoria com João de Aquino. Com esses artistas, teve a oportunidade de fazer inúmeras gravações e se apresentar em diversos  países como Japão, Holanda, Cuba, Inglaterra, França, Alemanha, Itália e Espanha, tornando-se um cidadão do mundo. Atualmente vive em Oslo, capital da Noruega, onde desenvolve um trabalho de terapia musical com o governo local, mas morou também em outros países, como o Marrocos, onde participou de diversos eventos musicais e deu aulas de música no conservatório de Rabat. Alfredo Bessa é, portanto, um grande representante da música brasileira no exterior, tendo sempre a cuica entre as suas ferramentas de trabalho e tocando com muita alegria, como vemos nos registros abaixo.  

Nesse primeiro vídeo, reparem que ele toca com uma cuica de cinco tarrachas e com porcas-borboleta na extremidade do aro superior, próximas à pele. Muito diferente das cuicas que costumamos ver atualmente, com porcas de chave na base do aro inferior.


Nesse outro vídeo - bem mais recente - Alfredo tira o maior som com uma cuica pequenininha, de apenas seis polegadas, e canta uma sequencia de músicas brasileiras num bar chamado Café Brasil, em Oslo - Noruega.