Intro

Bem vindo ao blog Cuiqueiros, um espaço exclusivamente dedicado à cuica – instrumento musical pertencente à família dos tambores de fricção – e aos seus instrumentistas, os cuiqueiros. Sua criação e manutenção são fruto da curiosidade pessoal do músico e pesquisador Paulinho Bicolor a respeito do universo “cuiquístico” em seus mais variados aspectos. A proposta é debater sobre temas de contexto histórico, técnico e musical, e também sobre as peculiaridades deste instrumento tão característico da música brasileira e do samba, em especial. Basicamente através de textos, vídeos e músicas, pretende-se contribuir para que a cuica seja cada vez mais conhecida e admirada em todo o mundo, revelando sua graça, magia, beleza e mistério.

(To best view this blog use the Google Chrome browser)

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Música 16 - Lá vem cuica

Essa música traz uma incrível gravação de cuica, ou melhor, de várias cuicas, feita por um dos nossos maiores ícones, o mestre Osvaldinho da Cuica. De forma magistral, logo na introdução da música, Osvaldinho gravou vários tracks com a cuica em diferentes afinações, mas executando a mesma frase rítmica, gerando o efeito de abertura de vozes. Isso é muito comum nos naipes de instrumentos de sopro, mas com a cuica é algo extremamente difícil de executar. Só mesmo um cuiqueiro com a habilidade do Osvaldinho para conseguir essa façanha! E a cada refrão as cuicas reaparecem, ainda em diferentes afinações, mas variando o fraseado. Vale a pena escutar com um fone de ouvido para curtir o panorama gerado pela mixagem.


Já fazem pelo menos três anos que penso em postar essa música aqui no blog. Na época em que a conheci, liguei para o Osvaldinho e anotei algumas de suas falas durante a nossa conversa. Mas depois perdi o papel com as anotações e preferi não fazer a postagem sem os interessantes comentários do nosso mestre. Finalmente, o papel reapareceu e a postagem pôde enfim acontecer!

Uma das coisas que conversamos sobre a participação dele nesse trabalho foi um fato curioso que chamou minha atenção ao ler a ficha técnica do disco. A propósito, esse disco, Correio da estação do Brás, do Tom Zé, é absolutamente sensacional!!! Na ficha técnica consta a referência de que a cuíca foi gravada por Oswaldo José Sbarro, sendo que o nome de batismo do Osvaldinho é apenas Osvaldo Barro. Ele me explicou que esse outro Oswaldo é um violinista, já bem mais velho do que ele naquela época, dizendo também que essa semelhança dos nomes causava de fato muita confusão:


– Como ele era velhinho, ele se equivocava e assinava o recibo de cachê que era pra mim. Mas as vezes acontecia o contrário também. Eu tinha que ir lá em Pinheiros, na casa dele, acertar o cachê que pagavam errado pra gente.

Perguntei se ele se lembrava da ocasião em que fez essa gravação e de como conseguiu realizar esse maravilhoso registro:


– Eu não lembro... foi a época que eu mais gravei na minha carreira. Era dia e noite, quatro seções de gravação por dia. Mas era tudo de ouvido. Cuicas afinadas de acordo com a tonalidade, fazendo naipe. Uma cuica de oito vai ter um som penetrante, firme, mais vibrante. E as de nove e meio e dez polegadas têm mais variedade de notas.


Osvaldinho também comentou sobre o seu estilo, expondo sua concepção em relação às diferentes possibilidades de aplicação da cuica em um arranjo musical:


– Virou uma pandemia o uso da cuica com apenas duas notas! É tocar pra frente e pra traz, grave e agudo, e ponto final. Tem que explorar o som do instrumento! Já fui criticado por tocar a cuica parecendo um trombone, mas é que em toda gravação eu procuro adequar na música, eu toco para vestir a música, aplicando com economia.


E o mestre falou também sobre a época em que foi membro do grupo Demônios da Garôa, destacando a participação do grupo na 1ª Bienal do Samba, em 1968, quando defenderam a interessantíssima composição "Mulher, patrão e cachaça", de Adoniran Barbosa.


– O pessoal olhava meio torto pra cuica, instrumento que faz muito "barulho". Depois de 1968 eu consegui dar um destaque pra ela. O Demônios da Garoa estourou na televisão, e eu lá, na frente, com a cuica...
.