Intro

Bem vindo ao blog Cuiqueiros, um espaço exclusivamente dedicado à cuica – instrumento musical pertencente à família dos tambores de fricção – e aos seus instrumentistas, os cuiqueiros. Sua criação e manutenção são fruto da curiosidade pessoal do músico e pesquisador Paulinho Bicolor a respeito do universo “cuiquístico” em seus mais variados aspectos. A proposta é debater sobre temas de contexto histórico, técnico e musical, e também sobre as peculiaridades deste instrumento tão característico da música brasileira e do samba, em especial. Basicamente através de textos, vídeos e músicas, pretende-se contribuir para que a cuica seja cada vez mais conhecida e admirada em todo o mundo, revelando sua graça, magia, beleza e mistério.

(To best view this blog use the Google Chrome browser)

quarta-feira, 29 de junho de 2011

O gambito



Vareta, bambu, cambito, palheta, pauzinho... são alguns nomes dados à famosa "haste de madeira presa no centro da membrana de couro, pela parte interna da cuica", mais conhecida também como gambito - pelo menos esse é o nome que a maioria dos cuiqueiros que eu conheço costumam usar. O gambito, assim como a pele, é um elemento importantíssimo da cuica e todo cuiqueiro deve conhecê-lo bem para obter um bom som do instrumento. Sem contar que para nossa imensa frustração, devido a sua fragilidade, volta e meia o gambito quebra e é aí que geralmente percebemos ou nos lembramos do quanto somos dependentes deste ítem.

Falando de uma maneira bem simples, o formato do gambito é o mesmo de um prego, ou seja, ele tem uma "cabeça" em uma das extremidades, que serve para auxiliar sua amarração na pele. O tamanho pode variar na medida de um palito de fósforo à de um palito de churrasquinho, tanto no comprimento, quanto na espessura.

O gambito é feito de bambu - parece que já tentaram usar outros materiais, mas não deu muito certo - e existem duas maneiras de fabricá-lo. Uma delas é pegar uma lasca de bambu e lixar até ela ficar na espessura desejada, esculpindo a cabeça em uma das pontas. Esse é o gambito inteiriço, um verdadeiro trabalho de entalhe na madeira. A outra, é colher um broto de bambu ainda em crescimento e cortá-lo no tamanho desejado, aproveitando o seu nó natural como cabeça.

Nessa foto, vemos três gambitos inteiriços em estágios diferentes de fabricação.


 

Nessa outra, estão dois brotos de bambu. O maior, ainda para ser preparado e o menor, pronto para ser utilizado.


Abaixo, vemos diferentes tipos de cabeças. Reparem as diferenças entre elas (da esquerda para direita): 1) forma triangular; 2) esculpida em diferentes níveis; 3) broto de bambu lixado; 4) forma circular fina; 5) forma circular grossa e estreita; 6) cabeça colada; 7) forma arredondada. No centro, há um broto de bambu com o nó ainda em estado natural.  


O importante na cabeça de um gambito é que ele tenha uma regularidade em sua circunferência em relação à haste, pois assim, irá garantir uma melhor fixação do nó que amarra o gambito na pele.

Uma dica: antes de tocar, é bom sempre passar uma lixa d'água ou um pedaço de bombril no gambito pra limpar e tirar qualquer imperfeição da madeira.  

Por experiência própria, confesso que não sei dizer a diferença na prática entre o gambito inteiriço e o broto de bambu. Já toquei com esses dois tipos de gambito e dou preferência ao inteiriço porque tenho a impressão de que é mais resistente do que o broto. Quem souber algo mais sobre a diferença entre um e outro ou mais informações à respeito deste assunto, por favor, deixe um comentário nessa postagem. É isso pessoal... até!

sábado, 18 de junho de 2011

Por que não "cuiquinista"?

Imagino que a maioria dos visitantes deste blog não lêem os comentários que o pessoal faz em algumas postagens. Eu mesmo não tenho esse costume quando acesso outros blogs, mas tenho a obrigação de ler todos os comentários feitos aqui e na semana passada o amigo Islan Scape me fez uma pergunta que acredito ser do interesse de todos. Não soube muito bem o que dizer sobre essa questão, mas achei um bom tema pra gente debater. Alguém sabe a resposta?


terça-feira, 14 de junho de 2011

Vídeo 8 - Jam da Silva et la cuíca

A postagem de hoje dá continuidade à análise sobre a evolução sonora da cuíca apresentada na postagem anterior. Vimos que mudanças na técnica de execução e no modo de fabricação influenciaram diretamente o processo de transformação que a sonoridade da cuíca sofreu entre as décadas de 1930 e 1950. Mas outros fatores também contribuíram nesse mesmo sentido, como a concepção crescente do uso da cuíca como um instrumento solista, além do avanço nos aparatos tecnológicos que permitem a captação e processamento dos sons do instrumento em shows e estúdios de gravação. O vídeo abaixo, do percussionista Jam da Silva, é uma prova do quanto a tecnologia agregada à cuíca proporciona alternativas ao processo criativo e, de alguma forma, também traz efeitos ao aspecto sonoro em nível prático e conceitual.


.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

A evolução sonora da cuíca

Assim como os demais instrumentos típicos do samba, a cuíca sofreu muitas modificações desde as suas primeiras inserções em discos e agremiações carnavalescas. Este processo envolveu transformações em todos os seus aspectos, impactando diretamente sua sonoridade, que mudou radicalmente num curto espaço de tempo. Duas questões principais explicam a razão de tal mudança: a primeira diz respeito à técnica de execução e a segunda à fabricação do instrumento. 

Com relação à técnica de execução, no vídeo abaixo vemos um cuiqueiro tocando de uma forma muito comum no passado, que consistia no uso exclusivo de uma das mãos para friccionar o gambito, sem pressionar a pele por fora com a outra mão. Logo, os sons obtidos ressoavam invariavelmente numa região de frequências mais baixa do que seu padrão sonoro atual.  


A sonoridade da cuíca também se modificou em função de inovações no seu processo de fabricação. Os primeiros modelos do instrumento tinham o corpo de madeira, o que imprimia ao timbre uma textura bem menos brilhante do que temos hoje com diferentes tipos de metal. O método de empachamento também era bastante diferente do atual, principalmente em relação à maneira de fixar o gambito no couro, que se dava de modo a não permitir que a pele vibrasse com muita intensidade. Além disso, as primeiras cuícas não possuíam as tarraxas que hoje nos permitem afinar o instrumento. A pele era presa com tachinhas e o método de afinação se dava ao redor de uma fogueira. O calor emitido pelo fogo esticava o couro, mas logo a cuíca voltava a ficar frouxa. Com a adaptação das tarraxas, ficou possível esticar o couro com mais rigidez, bem como manter o instrumento afinado por mais tempo. 

Tudo isso contribui para o desenvolvimento da sonoridade que extraímos da cuíca atualmente. A título de ilustração, seguem abaixo três registros que exemplificam o desenrolar deste processo entre as décadas de 1930 e 1950. 

O primeiro exemplo, A Cuíca tá Roncando, é uma composição de Raul Torres gravada pelo próprio autor, em 1934, e destaca a sonoridade grave que o instrumento tinha naquela época, parecendo de fato com um "ronco".


O segundo exemplo, Iaiá, Ioiô e a Cuíca, originalmente lançado em 1940, é uma composição de Fausto Vasconcelos e Felisberto Martins interpretada de Nena Robledo e J. B. de Carvalho. Percebe-se aí que o cuiqueiro pressiona a pele da cuíca por fora para produzir sons médio-agudos, conforme fazemos atualmente.



Por fim, outra versão de A Cuica tá Roncando, mas dessa vez interpretada pelo multi-instrumentista Mário Gennari Filho, em gravação de 1952. Neste caso, percebe-se que a sonoridade do instrumento já está bem próxima de como o escutamos hoje em dia. Isto nos permite concluir que sua sonoridade tenha atingido, já na década de 1950, o caráter estético que ainda se mantém como padrão nos dias atuais.

.