Intro

Bem vindo ao blog Cuiqueiros, um espaço exclusivamente dedicado à cuica – instrumento musical pertencente à família dos tambores de fricção – e aos seus instrumentistas, os cuiqueiros. Sua criação e manutenção são fruto da curiosidade pessoal do músico e pesquisador Paulinho Bicolor a respeito do universo “cuiquístico” em seus mais variados aspectos. A proposta é debater sobre temas de contexto histórico, técnico e musical, e também sobre as peculiaridades deste instrumento tão característico da música brasileira e do samba, em especial. Basicamente através de textos, vídeos e músicas, pretende-se contribuir para que a cuica seja cada vez mais conhecida e admirada em todo o mundo, revelando sua graça, magia, beleza e mistério.

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domingo, 31 de dezembro de 2017

Fabricação do gambito

Se existe um componente da cuíca de fundamental importância para a boa qualidade sonora do instrumento, esse certamente é o gambito. Essa postagem reúne uma sequência de vídeos a respeito das duas maneiras mais utilizadas para a fabricação desse item tão importante. Uma delas é feita a partir do bambu maciço, e a outra a partir do broto de bambu

O gambito de bambu maciço é feito com um pedaço do caule de um bambu adulto, o que muitas vezes implica na poda do bambu, como vemos o Indio da Cuíca fazendo no vídeo abaixo. Ele segue uma antiga crença de que o bambu deve ser podado durante a lua minguante. Essa condição cosmológica, além de demostrar que a fabricação do gambito pode envolver questões mais misteriosas do que se imagina, revela também a riqueza de saberes e práticas historicamente presentes no aspecto cultural da cuíca. Outro exemplo parecido é o costume que antigos cuiqueiros tinham de mergulhar o couro em uma água preparada com ervas antes de empachar a pele, provavelmente por influência de questões religiosas.


Respeitada qualquer questão de caráter místico, fato é que há muito o que fazer de ordem prática no processo de fabricação do gambito após a coleta do bambu. Nesse segundo vídeo o amigo Rogério Vieira, mais conhecido como Mágico da Cuíca, mostra as etapas de fabricação do gambito de bambu maciço, evidenciando o quanto esse processo é trabalhoso.


Já nesse terceiro vídeo vemos o amigo Dedé Santana, coordenador do projeto Vai Cuíca, falando um pouco sobre a diferença entre a fabricação do gambito de bambu maciço e do gambito de broto de bambu. A propósito, o grande Zé Roberto da Cuíca já havia registrado em um comentário que o gambito de broto é ideal para tocar em blocos e escolas de samba, pois o som que ele emite tem maior volume e um timbre mais metálico do que o gambito maciço, que tende a emitir sons mais limpos e aveludados.


Diferente do bambu maciço, a coleta do broto de bambu não exige a poda do bambu adulto, pois o que se colhe são os ramos que crescem nos caules lateralmente. O vídeo abaixo apresenta o experiente Marcos Portela em um bambuzal e nos permite ter uma ideia de como a coleta do broto é realizada.


Feita a coleta, o broto de bambu também passa por certas etapas até ficar adequado para o uso na cuíca. Talvez a principal dessas etapas seja a formação do "cabeçote", que os fabricantes de gambito costumam fazer de diferentes maneiras. No próximo vídeo vemos novamente o Dedé Santana confeccionando o cabeçote com linha.


A seguir, vemos o saudoso Quirininho, filho do nosso baluarte e também saudoso Quirino Lopes, confeccionando o cabeçote com plástico derretido.


Por fim, segue o registro de um cuiqueiro que não identifiquei o nome, mas que demonstra a confecção do cabeçote com filete de couro.


Apesar da simplicidade com que esses vídeos foram produzidos, eles deixam muito claro que a fabricação do gambito é algo a que devemos dar a maior atenção. Paradoxalmente, as principais marcas de cuíca, tanto no Brasil quanto no exterior, parecem se preocupar mais com seus logotipos do que com os gambitos que colocam em seus instrumentos. Por melhor que seja a estrutura de metal das cuícas encontradas no mercado, são raríssimas as vezes que iremos entrar em uma loja e comprar uma cuíca de uma marca famosa com o gambito nas condições adequadas, o que dificulta muito o aprendizado de quem está se aventurando nas primeiras notas.

Se você é um cuiqueiro iniciante, saiba que o gambito é um componente da cuíca extremamente particular, e é importante que você descubra quais são suas preferências pessoais em relação às diversas questões que caracterizam o tipo de gambito que mais vai lhe agradar. Até mesmo os cuiqueiros mais experientes, que já têm um tipo de gambito predileto, vale muito a pena sempre experimentar gambitos feitos por diferentes fabricantes. O Luizinho da Cuíca, por exemplo, pode ser citado como um dos fabricantes de gambito de maior destaque, tanto pela excelente qualidade do material que ele produz, quanto pela constante divulgação dos seus produtos e serviços.


Além do Luizinho, e dos amigos que aparecem nos vídeos acima, muitos outros fabricantes de gambito também merecem ser citados aqui, como o Sandro da Cuíca, o Valdeir Barreto, o Betinho da Cuíca, e tantos outros mais que pedimos a gentileza de deixar os contatos em um comentário nesse post para que todos possam fazer suas encomendas.
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segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Cuiqueiros 7 - Marcelino de Oliveira

*por Marcello Sudoh e Paulinho Bicolor

Marcelino de Oliveira, mais conhecido como Oliveira da Cuíca, nasceu provavelmente no início do século XX, nos paradouros do Estácio de Sá, bairro próximo ao centro do Rio de Janeiro. Segundo depoimentos de sambistas que o conheceram pessoalmente, como o mestre-sala Acelino dos Santos, conhecido como "Bicho Novo", Oliveira era filho de dona Marcelina, respeitada senhora que mantinha um prostíbulo muito conhecido naquela região.

Oliveira da Cuíca (Revista "O Malho" - 16/12/1937)

Logo cedo, o sambista esguio e boa pinta, da turma de bambas como Brancura, Baiaco e Bucy Moreira, se envolveu com o samba "estaciano" e com o famoso bloco "Deixa Falar", que ainda não era conhecido como escola de samba. Sua presença tocando cuíca na bateria do bloco foi descrita por importantes sambistas e antigos moradores do Estácio em uma serie de depoimentos coletados pelo jornalista Francisco Duarte. Alguns desses depoimentos estão no CD que acompanha o livro "Samba de sambar do Estácio - 1928 a 1931", onde há uma preciosa fala de Xangô da Mangueira (disponível no player abaixo) sobre o fato de Oliveira ter aprendido a fabricar cuícas seguindo os ensinamentos de João Mina. O mangueirense informa ainda que muitos grupamentos carnavalescos da época compravam as cuícas fabricadas por Oliveira.



Com o crescimento da indústria fonográfica coincidindo com o período em que o governo brasileiro firmava o conceito de "cultura brasileira", músicos e compositores de diversos matizes passaram a atuar em discos de gravadoras como a Odeon e a Victor. Era uma chance imperdível para os ritmistas dos morros, que viam ali a possibilidade de obter renda com aquilo que faziam por lazer: tocar samba. Instrumentos "rudimentares", então usados em terreiros e desfiles de rua, tiveram que ser adaptados para os estúdios de gravação. Caso contrário, aqueles músicos estariam fora de um novo mercado que remunerava os sambistas. Foi nessa época que apareceram as primeiras cuícas com afinadores e aros cromados, substituindo as antigas cuícas que tinham a pele presa com taxinhas. Eram exigências que os estúdios de gravação impunham já que era impossível acender fogueira em ambientes fechados a fim de esticar o couro dos instrumentos e obter a afinação desejada.

Oliveira certamente foi um dos pioneiros na fabricação de cuícas com essas modificações, mas não é possível saber se as características que a cuíca adquiriu em função desses novos padrões foram ideia dele. Muniz Júnior, por exemplo, afirma que quem primeiro instalou tarraxas (afinadores) na cuíca foi Samuca, da escola de samba "Paz e Amor", de Bento Ribeiro. Seja pela suposta intervenção de Samuca ou de qualquer outro personagem que ainda permanece anônimo, podemos intuir que Oliveira tenha contribuído, em alguma medida, nesse processo de modificações na estrutura da cuíca, e que o crescimento das gravações em discos deva ter lhe garantido bons rendimentos, aumentando a venda de cuícas dentro dos novos padrões, além de ele mesmo tocar em muitos desses discos. Haja vista o fato de que suas atuações em gravadoras e emissoras de rádio o deixaram conhecido como "rei da cuíca" (Boca de Ouro também seria chamado assim, alguns anos mais tarde).

Em 1931, Francisco Alves grava o samba "Meu Batalhão", de Ismael Silva e Nilton Bastos, sendo este o registro dos sons de uma cuíca mais antigo de que temos conhecimento. Nessa época, a cuíca ainda não executava as notas agudas e tinha como função marcar o tempo do samba, como o surdo faz atualmente. É bem possível que o cuiqueiro nessa gravação tenha sido o Oliveira.


Já em 1936, Aracy de Almeida grava "Mandei Carimbar", de Kid Pepe e Germano Augusto, que adaptaram no refrão um tema tradicional das antigas rodas de pernada do Rio de Janeiro. Segundo o amigo Barão do Pandeiro, que nos indicou essa bela gravação, a cuíca que nela escutamos foi gravada pelo Oliveira. É interessante notar que, diferente da gravação de "Meu Batalhão", onde o instrumento emite apenas notas graves marcando o andamento do compasso, em "Mandei Carimbar" a cuíca é aplicada com maior variedade rítmica, sendo nítida a execução de notas graves e agudas, embora a afinação ainda fosse "grave" em comparação à sonoridade que nos habituamos escutar hoje em dia.


Se, como acreditamos, Oliveira foi mesmo o cuiqueiro dessas duas gravações, podemos concluir que ele contribuiu não só para o processo de modificações na estrutura da cuíca, como fabricante do instrumento, mas também participou ativamente do processo de modificações na técnica de execução, na função da cuíca em um arranjo musical, e na evolução sonora do instrumento.

Mas a carreira artística de Oliveira da Cuíca foi além de sua enorme importância enquanto cuiqueiro. Em 1933, ele teria formado um trio vocal-instrumental para excursionar pelo país com dois outros sambistas que também carregavam o seu sobrenome: Wilson Baptista (de Oliveira) e Agenor de Oliveira, o Cartola. Lamentavelmente – reproduzindo as palavras de Rodrigo Alzuguir , "poucos tiveram a sorte de assistir a esse encontro inusitado. A turnê brasileira do conjunto se resumiu a sacolejar por algumas horas num trem da Estrada de Ferro Central do Brasil, indo e voltando pela Linha do Centro até a cidade fluminense de Barra do Piraí - onde Oliveira, Wilson e Cartola se apresentaram sem deixar lembranças. E o trio se desfez". Entretanto, em outras oportunidades, Oliveira pôde se apresentar inclusive fora do país. A "Embaixada Brasileira", grupo criado por Heitor dos Prazeres, tinha entre seus membros Paulo da Portela, Oliveira da Cuíca e a cantora Marília Batista. O grupo foi convidado a se apresentar no Uruguai, em dezembro de 1937. Antes da viagem, a "Embaixada" ocupou os microfones da Rádio Nacional a fim de apresentar o que mostrariam em Montevideo.

O fato de Oliveira ter trabalhado ao lado de compositores tão importantes leva a suspeitar que ele possa ter sido também compositor, e tudo indica que "Samba Raiado", gravado em 1931 por Ismael Silva, seja uma música dele. Fontes atribuem a autoria desse samba a Marcelino de Oliveira, o que nos leva acreditar, portanto, que seja uma composição do nosso cuiqueiro. "Samba Raiado" é um belo exemplo da transformação que o gênero samba sofreu durante sua migração do maxixe para o samba que conhecemos. O tema é ainda hoje muito usado em rodas de partido-alto, sendo Aniceto do Império o seu principal divulgador e, mais recentemente, chegando às novas gerações através do grupo Revelação.



Oliveira da Cuíca faleceu precocemente, em maio de 1938, conforme publicado em nota pelo jornal "A Noite". Segundo Mestre Marçal, em depoimento ao jornalista Sérgio Cabral, "o enterro dele saiu ali do baixo meretrício, passou por dentro, correu aquilo tudo", afirmando ainda que Oliveira foi o primeiro cuiqueiro que ele conheceu. Esta simples afirmação de uma das nossas maiores referências, como o é Mestre Marçal, nos dá a dimensão da enorme importância de Oliveira, não só para a história da cuíca, mas para toda a história do samba.


FONTES:
  • Pioneiros do samba: Bicho Novo, Carlos Cachaça e Ismael Silva - livro de Arthur de Oliveira Filho publicado em 2002 pelo Museu da Imagem e do Som.
  • Vida e morte do Deixa Falar, o bloco que deixou escola - reportagem de Francisco Duarte publicada em 13 de fevereiro de 1979 no Jornal do Brasil.
  • Samba de sambar do Estácio: 1928 a 1931 - livro de Humberto M. Franceschi publicado em 2010 pelo Instituto Moreira Salles.
  • Do batuque à escola de samba: subsídios para a história do samba - livro de J. Muniz Júnior publicado em 1976 pela editora Símbolo. 
  • Wilson Baptista: o samba foi sua glória - livro de Rodrigo Alzuguir publicado em 2013 pela editora Casa da Palavra.
  • A morte do "rei da cuíca" - nota publicada em 23 de maio de 1938 no jornal A Noite.
  • As escolas de samba do Rio de Janeiro - livro de Sérgio Cabral publicado em 1996 pela editora Lumiar.
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quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Música 19 - Guia cruzada [Douglas Germano]

De todas as músicas onde existe alguma citação ao nosso estimado instrumento musical, "O ronco da cuica", de João Bosco e Aldir Blanc, talvez seja a mais emblemática. Outra, não tão conhecida, mas também muito importante é "Como se faz uma cuica", de Haroldo Lobo e Wilson Baptista, um verdadeiro documento histórico que registra as características da cuica nas décadas de 1930 e 1940. Hoje, podemos incluir "Guia Cruzada" nesse seleto repertório, música do compositor (e cuiqueiro) Douglas Germano, que generosamente enviou as seguintes palavras para enriquecer esta postagem:

A música "Guia Cruzada" é uma Ode à personagens que são reservas éticas e justas em diversas situações e grupos. A metáfora traça o ponto de vista de um cuiqueiro de bateria de escola de samba avesso ao esfacelamento da tradição, da noção de trajetória e às transformações impostas por ações que não sejam fruto de desenvolvimento a partir destas experiências. A inspiração é um excepcional cuiqueiro com muitas décadas na fila de cuicas da bateria do G.R.E.S. Nenê de Vila Matilde: Seu Mussum.

Para ouvir "Guia Cruzada", clique no player abaixo:



Guia Cruzada
(Douglas Germano)

Era linha de frente na ala de cuica,
já viu muita cabrocha envelhecer.
O seu ronco encobria os "tarol" e as "ripa",
no samba botava pra ferver.
No talabarte a cuica cobria o coração,
Num alguidá é que ele molhava o gorgurão.

Era linha de frente na ala de cuica,
Já viu muitos "apitador" cair.
Sua bronca era gente de classe mais rica
que vinha em fevereiro querendo sair.
Sua cuica rugia, dizia:
— Não! "Tão" loteando as "faixa" do nosso pavilhão.

"Nêgo" tirava:
Sempre arrumando confusão!
Outro calava e tirava a mesma conclusão.
Mas era Xogum Guia Cruzada
Pr'um lado Xangô, pro outro Ogum.

Você, desavisado, curtindo o seu reinado,
no "vende/compra" qualquer um...
No teu mapa da mina, o X em cada esquina
indica que tem lá mais um.
Igual a Xogum Guia Cruzada:
Oxé de Xangô na mão de Ogum

Era linha de frente na ala de cuica,
Anhembí, Tiradentes, São João...
Adorava contar como era bonita
a avenida antes da televisão.
Sua cuica era ferro com ronco de trovão
Por minha parte, Xogum tava sempre com a razão.


P.s.: Encontrei esse vídeo no Instagram de @juravalenca7, onde vemos o Seu Mussum e sua cuica hermeticamente encaixada, ou melhor, como diz Douglas Germano em poesia, "cobrindo o coração".


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domingo, 10 de setembro de 2017

Disco 3 - Samba, Suor e Ouriço [vol.1]

*Texto do amigo Marcello Portelense especialmente elaborado para este humilde espaço cuiquístico. Obrigado Marcello!

Lançado pela “Soma” - subgravadora da “Som Livre” - em 1976, este LP é o primeiro de uma série comercializada até a década de 90, inclusive em K7. “Samba, Suor e Ouriço” traz faixas com sambas populares e era muito vendido no final de ano, da véspera do Natal até o carnaval.

CAPA - Samba, Suor e Ouriço
Continue lendo AQUI.

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Minha cuí@ [Luis Turiba]

Poema de Luis Turiba, o cuiqueiro poeta, publicado em seu livro Qtais (Ed. 7Letras, 2013).


MINHA CUI@

Cuica cuica cuica
Entre a cuica e a cítara
Cui@ se classifica

Faz o samba salpicar
Supimpa sais tapiocas
Faz o samba sincopar
Cintila sóis de pipocas

Meu violino de bambu
Meu tambor de sutilizas
Libertação minha presa
Meu cristal e meu vodu

Turbina de jatos rítmicos
Sorrisos, roncos e choros
Alvorada quase mística
Vara que invade o couro

Primitiva és complexa
Súplica cuica est
Marcas solas, mil firulas
Com tua boca de gula

Cuiqueiro é presepeiro
Vai à frente mostra os dentes
Cuiqueiro é aprendiz
Da vara da meretriz

Mas cuica também falha
Em plena Sapucaí
Quebra a vara, rompe o couro
Desarma o circo e o sigilo
Por isso, digo em sigilo:

Tenho duas cuicas
Florença e Nikita
Enquanto Florença aflora
Nikita quica

E assim floreiam o mundo
Desafinadas, as cuicas

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segunda-feira, 31 de julho de 2017

Música 18 - Cuica [Rosinha de Valença]

Essa música é uma homenagem da violonista Rosinha de Valença ao nosso mestre Zeca da Cuica, gravada no sétimo disco da compositora, lançado em 1973. É difícil descrever essa gravação, mas a originalidade da composição, o arranjo e a performance de cada músico, são de cair o queixo. Inclusive o trabalho de mixagem, que muitas vezes não prestamos muita atenção, é super bacana. Vale a pena escutar com um bom fone de ouvido para perceber a distribuição em stereo dos instrumentos e, claro, com especial atenção para a cuica do Sr. Zeca. O brilho e a consistência das suas notas agudas são inconfundíveis, e aqui ele ainda explora alguns sons mais inusitados  tirados apertando o pano sobre o gambito com uma leve pressão a mais do que o habitual – logo na introdução, ajudando na dramaticidade que caracteriza a composição.



Um fato curioso é que essa música foi regravada em 1976, no disco Confusão urbana, suburbana e rural, do clarinetista Paulo Moura, mas com outro título: "Tema do Zeca da Cuica". Nesse registro, é precedida por "Bicho papão", de Martinho da Vila, Wagner Tiso e Paulo Moura, mas logo se escutam os acordes do violão pelas mãos da Rosinha e o Sr. Zeca mais uma vez arrepiando na cuica. É muito interessante fazer a comparação entre essas duas gravações. Apesar de ser a mesma composição, são duas interpretações bem diferentes, mas em ambas o Sr. Zeca demonstra porque mereceu ganhar uma música em sua homenagem, partindo de uma artista tão especial como a Rosinha de Valença.
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quarta-feira, 7 de junho de 2017

A cuica do Laurindo [nova temporada]


O premiado musical "A cuica do Laurindo" entrará novamente em cartaz no Rio de Janeiro, no teatro Carlos Gomes, de 16 de junho à 30 de julho (quinta a sábado às 19h / domingo às 17h). Ingressos antecipados AQUI, por módicos R$40 inteira e R$20 meia.

A trama da peça gira em torno do cuiqueiro Laurindo, um personagem fictício criado por Noel Rosa, mas certamente inspirado nas figuras do samba com quem o compositor conviveu. Trata-se de uma comédia musical primorosamente idealizada por Rodrigo Alzuguir e dirigida por Sidnei Cruz. São cerca de quarenta canções contado as peripécias que envolvem os diversos personagens, brilhantemente interpretados por Alexandre Rosa Moreno (Laurindo), Claudia Ventura (Conceição do Zé), Hugo Germano (Tião / Cabaretier / Jota Efegê / Laurindo Filho), Marcos Sacramento (Dodô / Mais Velho / Maestro Strondowski), Nina Wirtti (Guiomar Wendhausen / Cabaretiere) e Vilma Melo (Zizica Tupynambá), além do próprio Rodrigo Alzuguir (Zé da Conceição / Hercule Perrier).

Como muitos seguidores desse humilde espaço cuiquístico não vivem no Rio de Janeiro e dificilmente poderão assistir a peça, compartilho abaixo os registros de algumas cenas, a começar pela interpretação de Triste Cuica, composição em que Laurindo ganhou vida, e também a morte, pois foi nessa música que Noel Rosa criou o personagem, em 1935, embora revelando no fim da canção que Laurindo teria sido misteriosamente assassinado. Vale destacar a bela performance do músico Marcus Thadeu executando a cuíca, acompanhado por Magno Júlio (percussão), Yuri Villar (sopros), Rafael Mallmith (violão 7 cordas) e Luis Barcelos (bandolim e direção musical), que tocam lindamente durante toda a peça. 


Esse segundo registro traz um trecho da música "Como se faz uma cuica", da autoria de Haroldo Lobo e Wilson Baptista, que descreve poeticamente em seus versos as características de uma cuica na década de 1940 (um pedaço de pau / um pedaço de couro / numa barrica / é assim que se faz uma cuica...).


O próximo vídeo traz uma lindíssima interpretação de "Ave Maria do morro", composição de Herivelto Martins, de 1942, que, de modo comovente, narra a devoção dos moradores de uma favela, rezando juntos ao fim do dia por uma vida menos sofrida.


E esse último vídeo registra um dos pontos altos da peça, quando todo o elenco interpreta "Praça Onze", também de Herivelto Martins, em parceria com Grande Otelo, que narra a angústia dos sambistas ao tomarem parte da notícia de que um dos principais redutos do samba no Rio de Janeiro, a Praça 11 de Junho, seria destruída para a abertura de uma nova avenida na cidade.

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sexta-feira, 28 de abril de 2017

Música 17 - Conversa fiada [Banda Mel]

A exemplo dos posts "A cuica no rock and roll" e "A cuica no jazz", a postagem de hoje também aborda a presença da nossa querida "chorona" em contextos da música popular que ela não costuma ser utilizada com tanta frequência. Dessa vez, no contexto do axé-music.

A música Conversa fiada, da autoria de Marinho, integra o repertório do disco Negra, lançado em 1991 pela Continental, o quinto álbum de uma das bandas precursoras do samba-reggae, a Banda Mel. A intérprete é a cantora Márcia Short e o músico responsável pela gravação dessa cuica esperta, infelizmente, não tem o seu nome registrado no encarte do disco. A ficha técnica registra apenas os integrantes da Banda Mel e músicos convidados, executantes de instrumentos de sopro. Mas ficam aqui os registros da poesia dessa canção e dos sons da cuica suingando bonito no balanço do axé.


CONVERSA FIADA
(Marinho)

Vamos cantar, vamos cantar, vamos mostrar
Vamos cantar, vamos cantar, vamos mostrar
Vamos mostrar pra todos o nosso cantar
Pois a corda só quebra pro lado de cá

Não quero mais essa conversa fiada
Não quero mais ouvir essa piada
Que o Brasil é o país do futuro
Isso é balela pra trouxa, o povo anda duro

Hei galera, vamos nessa!
Nessa onda quero arrebentar
Não quero mais ouvir essa conversa
Papo de deixa disso, ou de deixa pra lá

Vamos cantar, vamos cantar, vamos mostrar
Vamos cantar, vamos cantar, vamos mostrar
Vamos mostrar pra todos o nosso cantar
Pois a corda só quebra pro lado de cá

Consciência anda faltando
Em más notícias ando mergulhando
Pois, hoje, chega! Eu quero gritar!
Que o povo que canta não me deixa calar
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quinta-feira, 30 de março de 2017

Da cupópia da cuíca: a diáspora dos tambores centro-africanos de fricção e a formação das musicalidades do Atlântico Negro (Sécs. XIX e XX)

A postagem de hoje é bastante especial, pois destaca um trabalho extremamente significativo para a construção de conhecimento sobre a cuíca, um instrumento que embora desperte muita curiosidade, ainda guarda um passado pouco conhecido e uma série de questões mal compreendidas.

Da cupópia da cuíca: a diáspora dos tambores centro-africanos de fricção e a formação das musicalidades do Atlântico Negro (Sécs. XIX e XX) consiste na dissertação de mestrado de Rafael Galante, defendida em 2015 no Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade de São Paulo - USP. Até onde se sabe, este é o trabalho de maior fôlego já realizado sobre a cuíca, claramente desenvolvido com base em densas pesquisas documentais e etnográficas, assim apresentado pelo autor:

"O objetivo principal desta dissertação é o de recuperar a dimensão atlântica da história social das musicalidades afro-brasileiras criadas por africanos escravizados e seus descendentes durante o último século de escravismo e ao longo das primeiras décadas do período pós-abolição. O foco recai, sobretudo, no entendimento dos movimentos de transposição histórica dos tambores de fricção, de determinadas áreas do continente africano para as Américas, sua importância na formação das comunidades e culturas musicais afro-brasileiras, especialmente naquelas relacionadas ao samba urbano carioca, bem como nas transformações que o processo de diáspora imprimiu na organologia e na performance realizada por meio destes tambores de fricção. Este estudo, como também o inventário realizado dos instrumentos musicais que compunham as paisagens musicais do Brasil e de determinadas sociedades da África Central, sustenta-se sobre fontes históricas variadas, desde representações iconográficas contidas em crônicas, relatos de viagem e etnografias de viajantes e estudiosos que percorreram as diversas sociedades do período, análise de exemplares de instrumentos africanos pertencentes a coleções museológicas, até a escuta e análise de diversos fonogramas disponibilizados por meios eletrônicos".

Em outras palavras, essa pesquisa contribui não só para o aprofundamento do que se conhece sobre a cuíca, mas também sobre a família instrumental dos tambores de fricção de um modo geral, dando passos fundamentais na ampliação do conhecimento sobre a presença destes instrumentos em diferentes regiões do Brasil, bem como sobre a relação desse patrimônio cultural brasileiro com a extensão atlântica da África central. Ou seja, o trabalho como um todo é da maior importância e a forma como foi escrito torna a sua leitura bastante prazeirosa. Para quem se interessar, o download gratuito encontra-se disponível AQUI.

Ficam os nossos parabéns e agradecimentos ao Rafael Galante por esta brilhante iniciativa que nos permite conhecer mais profundamente a história da nossa amada "chorona".
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terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Amado Jorge, a história de uma raça brasileira [Osvaldinho da Cuíca, Namur e Macalé do Cavaco]

Essa postagem traz o registro de um samba do nosso ícone Osvaldinho da Cuíca interpretado pelo cantor e compositor Leandro Lehart no DVD Ensaio de Escola de Samba, que rememora alguns dos sambas históricos do carnaval paulista. Em vídeo, Lehart conta que foram inicialmente selecionados cento e cinquenta sambas, da década de 1960 aos anos 2000, dos quais quatorze entraram no repertório final. A gravação contou com ritmistas de diversas escolas de samba de São Paulo e do Rio de Janeiro, incluindo os cuiqueiros Magrão e Edmir, que prestam uma bela homenagem ao Osvaldinho, no final da gravação, tocando as cuícas à capella. Amado Jorge, a história de uma raça brasileira, homenagem ao grande escritor Jorge Amado, garantiu à Vai-Vai o seu sexto campeonato, em 1988.


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quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Vídeo-aulas de cuíca [playlist no YouTube]

Faz tempo que me pedem para postar vídeos com dicas de como tocar cuíca, como afinar, sugestões de exercícios, enfim, com orientações gerais sobre a execução do instrumento. A melhor forma que encontrei para atender essa demanda foi criar uma playlist de vídeos cuja temática seja o ensino do instrumento. Este assunto, aliás, já foi abordado em outras postagens onde apresentei métodos de ensino musical com exercícios para a cuíca, por exemplo, nos posts Batuque é um privilégio, sobre o método de Oscar Bolão, Percusión Brasileña, método de Fernando Marcon, e também o post Na bateria da escola de samba, sobre o livro de Leandro Braga.

Com relação a essa playlist, selecionei os vídeos com base na ordem em que apareciam nos resultados de busca, mas tentei manter uma sequência em relação à autoria. Até agora são 34, mas vou acrescentar novos vídeos à medida em que os encontrar. A maioria é em português, mas há também registros em inglês e em espanhol. Alguns apresentam boa qualidade de produção, com a imagem e o áudio bem nítidos, enquanto outros tem um aspecto mais "caseiro", mas não menos importantes. Deve dar bastante trabalho fazer um vídeo desses, mesmo aqueles menos profissionais, então aproveito a oportunidade para parabenizar nossos colegas pela iniciativa em compartilhar seus conhecimentos. 


Essa playlist mistura aulas voltadas para quem está começando no instrumento e também para quem já está em um nível de aprendizado mais avançado. Aliás, como diriam os antigos, a cuíca é um instrumento um tanto quanto "melindroso", então nunca devemos pensar que já sabemos o bastante sobre ela. Inclusive porque uma característica essencial deste instrumento é o fato de cada cuiqueiro ter as suas preferências e maneiras pessoais de fazer isso ou aquilo. Observar essas diferenças é sempre enriquecedor e esses vídeos são a prova concreta da variedade desses pontos de vista e, consequentemente, da complexidade envolvida na transmissão e aprendizado desses conhecimentos. A propósito, essa playlist também pode servir para quem dá aulas de cuíca se inspirar em ideias para trabalhar com seus alunos. Desejo a todos um excelente estudo!
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terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Disco 2 - A incrível bateria do Mestre Marçal

A incrível bateria do Mestre Marçal é um disco lançado em 1987 pela gravadora Polydor. Conforme seu título anuncia, traz o registro de uma bateria constituída por excelentes ritmistas regidos pelo Mestre Marçal. A faixa de abertura, que ocupa todo o lado A do vinil, é integralmente instrumental e, durante os seus oito minutos iniciais, podemos escutar a cuica do próprio Mestre Marçal com aquele toque elegante que lhe característico. Depois disso, o andamento acelera e há o revezamento de interessantíssimos solos de alguns naipes da bateria, dentre eles o naipe de cuica, que se faz ouvir por volta dos doze minutos e meio da gravação. 



Além desse raro registro em áudio de uma ala de cuica tocando à cappella, a capa do álbum apresenta fotografias dos instrumentos que compõem a bateria, onde se vê a imagem dessas belas cuicas reproduzida abaixo. Apesar de estar sem foco, é possível identificar o Carlinhos da Cuica no fundo da fileira de cuiqueiros. Aliás, acredito que seja do Carlinhos o solo de cuica que se destaca no trecho do naipe de cuica mencionado acima.


E há também, na contracapa do álbum, textos explicativos sobre cada instrumento da bateria em português e em inglês. Consta a informação de que esses textos foram escritos por Regina Werneck, baseados em uma entrevista com Mestre Marçal. Sobre a cuica é dito o seguinte:

CUICA  Instrumento feito de uma barrica de madeira (antigamente; hoje, uma raridade) ou metal, com pele de couro em um dos lados e uma vareta de bambu por dentro, que sai do centro da pele e que é esfregada com uma pano úmido ou mesmo com a mão molhada, para produzir um som bastante exótico, que varia de timbre e complementa o colorido da bateria. Ela não tem uma função de marcação, mas se apresenta como solista, é um instrumento de grande criatividade. A cuica atrai a curiosidade de músicos e turistas estrangeiros por sua originalidade de som, único e divertido.

Acho bem possível que a parte inicial desse texto tenha de fato sido transmitida à referida autora pelo Mestre Marçal. Existem vários registros em que ele revela ter sido presenteado pelo pai com uma cuica de barrica aos sete anos de idade. Foi com essa mesma cuica, inclusive, que Marçal fez inúmeros trabalhos durante toda a vida, dentre eles a participação no primeiro disco do Cartola, em 1974.

Por outro lado, informações neste texto como, por exemplo, a afirmação de que a cuica pode ser tocada diretamente "com a mão molhada", parecem consistir em dados que a autora lamentavelmente repetiu de algum dos muitos textos que há por aí com informações equivocadas, como esta, frequentemente registrada no verbete "cuica" dos dicionários, mesmo aqueles publicados por editoras e autores de grande reputação. Registros históricos demonstram que o pano úmido sempre foi um elemento imprescindível para a execução da cuica, haja vista a composição Molha o Pano, de 1936, ano em que Mestre Marçal completava seis anos de idade. Ou seja, o pano (que ainda hoje utilizamos para tocar nosso instrumento) se mostra presente na realidade da cuica mesmo antes de Marçal ganhar a sua primeira chorona, e por isso duvido que seja dele a afirmação sobre a cuica ser tocada diretamente "com a mão molhada".

Independente de qualquer falha, o texto de Regina Werneck é certamente um esforço importante no sentido de tonar a cuica mais conhecida e traz ainda outras questões dignas de reflexão, por exemplo, ao dizer que a cuica "não tem uma função de marcação, mas se apresenta como solista". Como se sabe, o termo "marcação" é comumente utilizados por boa parte de nós para designar o toque de cuica que fazemos no acompanhamento do samba-enredo. Mas se pensarmos no papel de marcação exercido pelo surdo, atribuir esta função à cuica se torna algo questionável. Afinal, a cuica exerce um papel de marcação e sustentação do andamento rítmico ou seria um instrumento solista, ou de efeito, com a delicada função de complementar o "colorido da bateria"? Espero que vocês, estimados colegas e seguidores desse blog, se sintam estimulados e à vontade para escrever comentários em resposta a esta pergunta.

Por fim, A incrível bateria do Mestre Marçal pode ser apreciado na íntegra clicando AQUI. Além da faixa inicial reproduzida no player acima, Mestre Marçal demonstra no restante do disco outra de suas grandes habilidades, a de cantor, eternizando magistralmente alguns belíssimos sambas-enredo em sua voz.
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sábado, 26 de novembro de 2016

Livro: Na bateria da escola de samba


CAPA - Na bateria da escola de samba

Natal chegando, aqui vai a dica de um ótimo presente para uma criança ou adolescente que se interesse por samba. Publicado em 2014 pela editora Gryphos, "Na bateria da escola de samba" é um livro do pianista, compositor e arranjador Leandro Braga, contando com a colaboração de Mangueirinha como consultor técnico e lindas ilustrações de Axel Sande. Trata-se de uma obra com informações sucintas, mas muito instrutivas, por exemplo, sobre "como é formada a bateria, quais os instrumentos a compõem, quantos são os músicos, como é organizada, como são os ensaios. E ainda traz um CD que reproduz o som de todos os instrumentos". Com relação à cuica, o livro apresenta o texto reproduzido a seguir, bem como o áudio de duas gravações ilustrativas acessíveis no player logo abaixo:

A cuica é um instrumento muito peculiar. Seu corpo é de metal e tem uma pele de couro em um dos lados. Em seu centro é amarrada a ponta de uma vareta de bambu, formando uma espécie de umbigo. A mão direita fica dentro do instrumento, friccionando a vareta com um pano úmido. Os dedos da mão esquerda fazem uma pressão maior ou menor sobre o couro da cuica, pelo lado de fora. Quando apertam a pele, o som fica mais agudo. Quando soltam, o som fica mais grave. É um dos instrumentos preferidos pelos ritmistas de idade mais avançada, pois exige menos esforço físico mas, ainda assim, bastante habilidade. Normalmente uma bateria traz de 20 a 25 cuicas.


O site Estante Virtual disponibiliza alguns exemplares deste livro para compra. Apesar de se direcionar ao público infanto-juvenil, é uma leitura que cai bem para todas as idades. Vale a pena conferir!
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sábado, 1 de outubro de 2016

Vídeo 19 - Cuica Feat (Fabiano Salek)

Entre os diversos bons cuiqueiros espalhados mundo afora, se há um nome que não pode passar despercebido é este: Fabiano Salek. Nesse vídeo temos uma prova do seu talento, que na verdade vai bem além da cuica. Salek é integrante do grupo Sururu na Roda, onde não só toca como também canta, e desenvolve um belo trabalho de ensino musical na escola Maracatu Brasil à frente da Oficina Roda de Samba. Não à toa, foi ele quem gravou os exercícios de cuica registrados no método de percussão Batuque é um privilégio, de Oscar Bolão. Mas com a licença de seus múltiplos talentos, cabe enfatizar aqui a sutileza com que executa sua cuica, fazendo lembrar o estilo do grande mestre Ovídio Brito. Fica agora a oportunidade de apreciar e procurarmos apreender algo da técnica e criatividade desse músico completo e cuiqueiro da melhor qualidade!


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quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Disco 1 - O baile do gato

O amigo Marcello Portelense compartilhou recentemente no Facebook uma interessante matéria intitulada "As vidas de um gato sambista" baseada na imagem desse gato tocando cuica, criada pelo cartunista Ziraldo, e impressa em um adesivo promocional do carnaval carioca de 1968. O autor da matéria, Alexandre Medeiros, conta que o felino já havia figurado como símbolo do carnaval de 1967 em outro desenho, onde aparece tocando tamborim, e descreve como surgiu esse gato folião: 



Nos anos 60, era a Secretaria de Turismo da Cidade do Rio de Janeiro que ficava a frente dos preparativos para o carnaval, incluindo a decoração das ruas, a organização do desfile das agremiações carnavalescas, a criação e distribuição de material promocional e outras providências para o acontecimento da festa. Para 1967, a Secretaria resolveu escolher um gato como símbolo daquele carnaval. A justificativa dada pelo Secretário Carlos Laet pela escolha não poderia parecer mais inusitada: “É ele o maior sacrificado da folia, pois de sua pele fazem-se as cuicas e os tamborins que também marcam o ritmo contagiante das escolas de samba e dos denominados blocos que desfilam nas ruas cariocas no tríduo da folia”. Para dar vida a este infausto felino foi convidado o já famoso cartunista Ziraldo, que mesmo achando a justificativa oficial “um tanto trágica”, cria uma figura alegre, elegante e carnavalizada, registrando sutilmente no jogo de cores a nefasta sina do animal que toca um instrumento feito do seu próprio couro.

Achei muito bacana essa observação sobre as cores em tons avermelhados escolhidas pelo Ziraldo para representar "o maior sacrificado da folia", como disse o então Secretário de Turismo. Essa história de que a pele de gato costumava ser utilizada na cuica já foi abordada aqui na postagem Couro de gato, vale conferir! Mas a real motivação desse novo post é inaugurar uma série de publicações onde apresentarei discos que trazem alguma representação da cuica na capa ou algum registro fonográfico significativo do instrumento.

CAPA - O baile do gato
O gato cuiqueiro aparece na capa e contracapa desse disco intitulado O baile do gato, sobre o qual encontrei a seguinte descrição no blog Toque Musical: Patrocinado e promovido pela Secretaria de Turismo do antigo Estado da Guanabara, o álbum foi uma maneira de fixar ao cardápio festivo da cidade um novo baile de salão, realizado no Clube Sírio Libanês, que naquele ano (que eu não sei qual) se fazia pela segunda vez. (...) A gravação me parece ter sido feito ao vivo, talvez extraída do baile anterior.

CONTRACAPA - O baile do gato
O baile do gato pode ser apreciado clicando AQUI. Mas vou logo adiantando que apesar da capa apresentar o "bichano da cuica" desenhado pelo Ziraldo e seu título fazer menção direta ao animal, o que há de mais curioso nesse disco é o fato de não conter uma só faixa em que se possa escutar o som de uma cuica. De qualquer forma, a capa faz por onde!
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quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Música 16 - Lá vem cuica

Essa música traz uma incrível gravação de cuica, ou melhor, de várias cuicas, feita por um dos nossos maiores ícones, o mestre Osvaldinho da Cuica. De forma magistral, logo na introdução da música, Osvaldinho gravou vários tracks com a cuica em diferentes afinações, mas executando a mesma frase rítmica, gerando o efeito de abertura de vozes. Isso é muito comum nos naipes de instrumentos de sopro, mas com a cuica é algo extremamente difícil de executar. Só mesmo um cuiqueiro com a habilidade do Osvaldinho para conseguir essa façanha! E a cada refrão as cuicas reaparecem, ainda em diferentes afinações, mas variando o fraseado. Vale a pena escutar com um fone de ouvido para curtir o panorama gerado pela mixagem.


Já fazem pelo menos três anos que penso em postar essa música aqui no blog. Na época em que a conheci, liguei para o Osvaldinho e anotei algumas de suas falas durante a nossa conversa. Mas depois perdi o papel com as anotações e preferi não fazer a postagem sem os interessantes comentários do nosso mestre. Finalmente, o papel reapareceu e a postagem pôde enfim acontecer!

Uma das coisas que conversamos sobre a participação dele nesse trabalho foi um fato curioso que chamou minha atenção ao ler a ficha técnica do disco. A propósito, esse disco, Correio da estação do Brás, do Tom Zé, é absolutamente sensacional!!! Na ficha técnica consta a referência de que a cuíca foi gravada por Oswaldo José Sbarro, sendo que o nome de batismo do Osvaldinho é apenas Osvaldo Barro. Ele me explicou que esse outro Oswaldo é um violinista, já bem mais velho do que ele naquela época, dizendo também que essa semelhança dos nomes causava de fato muita confusão:


– Como ele era velhinho, ele se equivocava e assinava o recibo de cachê que era pra mim. Mas as vezes acontecia o contrário também. Eu tinha que ir lá em Pinheiros, na casa dele, acertar o cachê que pagavam errado pra gente.

Perguntei se ele se lembrava da ocasião em que fez essa gravação e de como conseguiu realizar esse maravilhoso registro:


– Eu não lembro... foi a época que eu mais gravei na minha carreira. Era dia e noite, quatro seções de gravação por dia. Mas era tudo de ouvido. Cuicas afinadas de acordo com a tonalidade, fazendo naipe. Uma cuica de oito vai ter um som penetrante, firme, mais vibrante. E as de nove e meio e dez polegadas têm mais variedade de notas.


Osvaldinho também comentou sobre o seu estilo, expondo sua concepção em relação às diferentes possibilidades de aplicação da cuica em um arranjo musical:


– Virou uma pandemia o uso da cuica com apenas duas notas! É tocar pra frente e pra traz, grave e agudo, e ponto final. Tem que explorar o som do instrumento! Já fui criticado por tocar a cuica parecendo um trombone, mas é que em toda gravação eu procuro adequar na música, eu toco para vestir a música, aplicando com economia.


E o mestre falou também sobre a época em que foi membro do grupo Demônios da Garôa, destacando a participação do grupo na 1ª Bienal do Samba, em 1968, quando defenderam a interessantíssima composição "Mulher, patrão e cachaça", de Adoniran Barbosa.


– O pessoal olhava meio torto pra cuica, instrumento que faz muito "barulho". Depois de 1968 eu consegui dar um destaque pra ela. O Demônios da Garoa estourou na televisão, e eu lá, na frente, com a cuica...
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domingo, 20 de março de 2016

A cuíca do Laurindo

Nessa próxima quinta-feira (24), o musical A cuíca do Laurindo entrará em cartaz no Centro Cultural do Banco do Brasil - RJ. Trata-se de um espetáculo inspirado no cuiqueiro Laurindo, personagem fictício criado por Noel Rosa que protagoniza a trágica história do samba Triste Cuíca. Idealizada por Rodrigo Alzuguir, a peça se constrói sobre as façanhas de Laurindo retratadas também em canções de outros compositores, que adotaram o personagem de Noel e criaram uma serie de episódios hipoteticamente vividos pelo cuiqueiro na década de 1940. Na arte do cartaz, Alexandre Rosa Moreno, ator que fará o papel de Laurindo com o sorriso farto de um autêntico cuiqueiro. Imperdível!!!

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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Oficina de cuíca com Ernani Cal [Monobloco]

Para quem reside no Rio de Janeiro, recomendo que não deixe de participar da próxima oficina de cuíca oferecida pelo mestre Ernani Cal, diretor do naipe de cuíca do Monobloco, onde há anos realiza um trabalho excepcional de ensino do nosso estimado instrumento musical. E para quem não reside na capital carioca, recomendo muito que fique atento às novidades nas redes sociais do Ernani e do Monobloco. Quem sabe não pinta uma oportunidade mais perto num futuro próximo? Seguem abaixo mais informações sobre a oficina na cidade maravilhosa. Sucesso, maestro!


Oficina de Cuíca
Prof. Ernani Cal (Monobloco)

Aula conjunta para iniciantes e avançados.

  • Técnica do instrumento
  • Linguagem rítmica
  • Desenvolvimento da musicalidade
  • Aplicação em repertório

Para iniciados que integram o naipe do Monobloco funciona como pré-temporada.

Para iniciados que não integram o naipe serve para ampliar horizontes conhecendo uma técnica específica e novas células rítmicas para aplicação em diversos ritmos da MPB.

Para não iniciados trabalhamos a aproximação ao instrumento e à linguagem da batucada.

Início: Dia 1° de março
Terças de março e abril
Das 20h às 22h

Rua Visconde de Pirajá
nº. 303 - salas 315/316
Ipanema

Informações e reservas:
(21) 2287-5136
Serginho ou Inês
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sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Pesquisa "CUICAS EM DESFILE"


O amigo Marcello Portelense está conduzindo uma interessante pesquisa denominada “CUÍCAS EM DESFILE”, sobre a qual o próprio Marcello nos informa o seguinte:

A pesquisa está relaciona ao uso da cuíca nas baterias de escolas de samba. Queremos levantar, além de dados básicos como o tipo de cuíca, marca e polegada preferida pelos cuiqueiros, informações sobre andamento, padronização e o posicionamento da cuíca na bateria. A pesquisa está longe de ser fechada e definitiva, mas é um primeiro passo para reunirmos dados que podem ser usados por futuros pesquisadores interessados. A pesquisa é 100% anônima. Nem o compilador dos dados saberá a identidade do pesquisado, já que essa informação é irrelevante para o resultado da pesquisa.

Portanto, amigos, não deixem de participar! Basta enviar uma mensagem inbox para o facebook do Marcello informando o seu endereço de e-mail e aguardar o recebimento do link de acesso ao formulário da pesquisa, reproduzido abaixo como ilustração. O tempo para preenchimento não toma mais do que alguns minutos.



A previsão de duração da pesquisa é até março deste ano, mas é muito importante que todos participem o mais breve possível e ajudem divulgando aos amigos que também possam se interessar. Os resultados serão divulgados aos participantes através do mesmo endereço de e-mail informado para o recebimento do formulário. Contamos com a participação de todos!
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domingo, 1 de novembro de 2015

1ª oficina de encouramento (Confraria Gambito de Ouro)



Peço licença aos amigos da Confraria Gambito de Ouro para divulgar essa excelente iniciativa que será a 1ª oficina de encouramento, prevista para o dia 14 de novembro, a partir das 10h, na rua Travessa do Sereno, nº 43 (próximo à Pedra do Sal), no Rio de Janeiro. Os interessados em encourar deverão realizar um depósito de R$60 (por pessoa) até o dia 06/11, o que também dá direito ao churrasco (bebida não incluída). Mas que quiser comparecer apenas para confraternizar, o depósito deverá ser de R$25 (com direito somento ao churrasco). Para maiores informações, vale acessar o blog da Confraria Gambito de Ouro, onde também é possível conhecer mais sobre essa agremiação de cuiqueiros, fundada em abril deste ano, e que vem para promover ações em prol da amizade, do conhecimento sobre a cuica, e de tudo mais que gira em torno do nosso querido instrumento musical.

O encouramento da cuica, também chamado de empachamento, é um processo bastante específico e que envolve procedimentos difíceis de realizar sem que se tenha a orientação inicial de alguém experiente no assunto. Uma pele bem encourada é um aspecto fundamental para que a cuica esteja em condições de emitir a sonoridade ideal que todos desejam extrair do instrumento. Portanto, é muito importante conhecer todo o processo que envolve encourar a cuica, e quem puder comparecer à oficina da cofraria, não perca essa oportunidade!

quarta-feira, 25 de março de 2015

Entrevista com Wilson das Neves sobre Mestre Marçal [por Valéria del Cueto]

Nosso homenageado na última postagem, Wilson das Neves, foi entrevistado em janeiro de 2006 pela jornalista Valéria del Cueto e contou coisas muito interessantes sobre o seu grande amigo Mestre Marçal. Trata-se de um importantíssimo registro onde podemos conhecer um pouco mais sobre esse músico extraordinário que, sem dúvida nenhuma, é e sempre será um dos maiores cuiqueiros de todos os tempos. A entrevista aborda a atuação de Marçal como instrumentista, mestre de bateria e cantor, e também traz detalhes sobre o seu fascinante jeito de ser. Destaco a seguir o trecho sobre a forma como Marçal se relacionava com sua cuíca, tratada por ele como uma Stradivarius (em alusão à famosa marca de violinos):

"(...) ele era um gentleman. Só não podia contrariar ele. Se contrariasse ele... por exemplo: a cuíca dele. Nós íamos daqui para a Alemanha e a cuíca ia no colo dele. Ele não deixava ninguém pegar. Nem despachava. Tanto é que ele dizia assim: "isso aqui é o meu Stradivarius". A cuíca era o Stradivarius dele, o violino Stradivarius dele. Era uma cuíca daquelas antigas, das primeiras, que eram feitas de barrica. E muito bem cuidada, tudo cromado. Então era o Stradivarius, não deixava ninguém pegar. Depois ele aposentou essa, pra que ela ficasse num museu, e ele comprou as mais modernas. Mas ele gostava era dessa, a Stradivarius".

A imagem abaixo, escolhida para ilustrar o áudio da entrevista, apresenta Mestre Marçal regendo a bateria da Portela. Vemos também três cuiqueiros em segundo plano, dentre os quais pude identificar o saudoso Casemiro, com sua bela cuíca de 12 polegadas.


Agradeço a Valéria del Cueto por gentilmente autorizar a publicação deste material e, acima de tudo, por sua iniciativa em realizar essa entrevista. Um verdadeiro tesouro! 
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segunda-feira, 2 de março de 2015

Vídeo 18 - Wilson das Neves tocando cuíca

A postagem Villa Candeia nos apresentou há um tempo atrás imagens de duas grandes personalidades da música brasileira supostamente tocando cuíca: o maestro Villa Lobos e o grande portelense Candeia. Digo "supostamente" porque não se tem notícia de que eles de fato costumassem ou soubessem tirar um sonzinho da chorona. Dessa vez, outro grande nome da nossa música, Wilson das Neves, também nos deu a honra de arriscar algumas notas. Como se sabe, Das Neves é um exímio baterista, cantor e compositor, mas cuíca para ele parece ser uma novidade. Seja como for, como o próprio diria: Ôh, sorte!!!



Confira AQUI o show completo de Wilson das Neves para o Programa Instrumental Sesc Brasil, fonte original deste vídeo.
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