Intro

Bem vindo ao blog Cuiqueiros, um espaço exclusivamente dedicado à cuica – instrumento musical pertencente à família dos tambores de fricção – e aos seus instrumentistas, os cuiqueiros. Sua criação e manutenção são fruto da curiosidade pessoal do músico e pesquisador Paulinho Bicolor a respeito do universo “cuiquístico” em seus mais variados aspectos. A proposta é debater sobre temas de contexto histórico, técnico e musical, e também sobre as peculiaridades deste instrumento tão característico da música brasileira e do samba, em especial. Basicamente através de textos, vídeos e músicas, pretende-se contribuir para que a cuica seja cada vez mais conhecida e admirada em todo o mundo, revelando sua graça, magia, beleza e mistério.

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quarta-feira, 28 de abril de 2021

Mago da cuíca realiza o sonho do primeiro disco solo aos 70 anos

Velho conhecido da noite carioca e de shows de música brasileira no exterior, Índio mostra a cara, a técnica e as composições em ‘Malandro 5 estrelas’


O multi-instrumentista Índio da Cuíca Foto: Alfredo Alves / Divulgação
O multi-instrumentista Índio da Cuíca 
Foto: Alfredo Alves / Divulgação
RIO - Saltos, coreografias, malabarismos com o pandeiro e peripécias com a cuíca fizeram deste carioca uma sensação na noite dos anos 1970, em casas como o Sambão & Sinhá (restaurante em Copacabana do cantor Ivon Curi) e, depois, em shows de música brasileira que correram 23 países. Mas nem isso ou a glória de ter aparecido na TV, de ter tocado no Canecão e no Olympia de Paris e de ter dividido a cena com Roberto Carlos deram a Índio da Cuíca a chance de realizar o sonho do disco solo. Algo que acontece somente no próximo dia 5 — seu aniversário de 70 anos —, com o lançamento em plataformas de streaming de “Malandro 5 estrelas”.

Mais do que um veículo para a sua impressionante técnica na cuíca — literalmente, Índio faz o instrumento cantar —, o álbum editado pelo QTV, selo carioca de música experimental, traz um punhado das singulares composições do músico, entre sambas (“A cuíca chora”, “Cuíca malandra/cuíca encantada”, “Sonho realizado”), cânticos afro (“Medley de Ogum”), calango (“Stribinaite camufraite oraite”), bolero (“Shirley”) e até funk (“Baile do bambu”). Enfim, chegou a vez de a sua visão musical, de seu canto e de seus instrumentos (além da percussão, ele também toca violão) serem registrados em um disco com seu nome estampado na capa.

— Índio é o nome que eu tenho mais afinidade — esclarece o artista (que nasceu no Morro dos Afonsos, na Tijuca) sobre a alcunha que ganhou, por causa do cabelo liso de adolescente. — Eu nem nasci no hospital, foi debaixo de uns bambuzais. Minha mãe estava subindo o morro e não aguentou chegar em casa. Meu pai teve que descer com um lençol branco.

Seu Manoel, o pai de Índio, tocava cavaquinho, cantava e compunha para a Unidos da Tijuca, além de participar de muitas serestas. Foi por suas mãos que o filho desfilou pela primeira vez no carnaval, no Império da Tijuca, aos 12 anos, como pandeirista — com direito a prêmio.

— Mas a escola não me deu o troféu, porque tinha que ter tido permissão do juizado de menores para eu sair na escola. Aí eu nunca mais quis sair em escola de samba, e não saí até hoje. Vi que aquele não era o mundo... meu mundo é palco — conta Índio, que aos 17 já estava tocando na noite e logo depois foi parar na TV Globo, no lugar do amigo Neném da Cuíca, que não pôde cumprir uma data. — Peguei a cuíca e comecei a solar “Brasileirinho”, “Cidade Maravilhosa”... Quando vi, era um destaque. Comecei a sambar com a cuíca, a fazer um monte de coisa.

Índio da Cuíca (à esq.) com o grupo Brasil Ritmo, em 1972
Foto: José Santos / Agência O Globo

Os trabalhos, a partir daí, foram muitos. Índio participou de programas como “Globo de Ouro” e “Brasil Especial”, e gravou em 1972 pela Som Livre um disco com o Brasil Ritmo, grupo que tinha com Neném. Viajou a bordo dos espetáculos de Ivon Curi e Jair Rodrigues, figurou em shows de Roberto Carlos e Alcione e correu o mundo em companhias artísticas lideradas por Joãosinho Trinta e por Haroldo Costa. Por três anos e meio, viveu na Suíça, e aí voltou para o Rio para se casar com sua paixão, Shirley, com quem está junto há 35 anos.

— A lembrança que eu tenho é a de um cara talentoso que tirava os sons menos convencionais de uma cuíca — diz o pesquisador Haroldo Costa, que esteve com Índio em uma turnê que passou por Costa Rica, Honduras e Nicarágua entre abril e maio de 1987.

Entre tintas

A história de “Malandro 5 estrelas” começou em 2005, quando o percussionista Paulinho Bicolor tomou conhecimento de Índio num espetáculo da Orquestra de Solistas na Sala Cecilia Meireles. Cinco anos depois, já como pesquisador à frente do blog Cuiqueiros, ele o encontrou por acaso na estação de trem de Cordovil. E marcou uma primeira entrevista, na qual o mestre da cuíca revelou o sonho de gravar um disco. Nos últimos anos, foi Paulinho quem cuidou de produzir esse disco, ao lado de Bernardo Oliveira, do QTV. Enquanto isso, vendo o trabalho com música minguar, Índio foi em busca do sustento como pintor de paredes — ofício aprendido no ano que passou nos EUA.

Para Paulinho Bicolor, mais do que a afeição pelo mestre foi a dívida da cultura brasileira com Índio da Cuíca que o moveu na realização de “Malandro 5 estrelas”:

— Ele leva a cuíca para outro lugar, como um instrumento melódico, solista à máxima potência. Índio dedilha a cuíca, toca como se houvesse teclas na pele da cuíca. E ela não é para isso. Ele explora esse paradoxo.

Matéria de Silvio Essinger para o jornal O Globo publicada em 28 de abril de 2021. 

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quarta-feira, 31 de março de 2021

Vídeo 25 - Exposição "Zeca: 60 anos de cuíca"

Há exatamente dez anos, em 31 de março de 2011, dava-se por encerrada a exposição Zeca - 60 anos de cuíca, uma bela e justa homenagem promovida pelo departamento cultural da Comlurb a um de seus funcionários mais ilustres: Zeca da Cuíca. O vídeo a seguir reúne fotografias expostas na ocasião e registra algumas cenas do dia de abertura da exposição, que iniciava com o texto redigido mais abaixo,  intitulado "Um Senhor Zeca", grifado na entrada da galeria.


Hoje ouvi o Zeca. Não um Zeca qualquer, mas o Senhor Zeca. Zeca que extrai do instrumento simples a beleza mais pura de um choro sentido, doído, uma lágrima sonora. Zeca que acompanhando um chorinho de Pixinguinha consegue transcender a sonoridade esperada da cuíca em suspiros harmônicos a um só tempo suaves e firmes. Ouvi o Zeca, a cuíca do Zeca, o Zeca da Cuíca. A integração homem-instrumento é perfeita. Zeca e cuíca vibram na mesma intensidade, com a mesma frequência que nos é impossível distinguir onde está o Zeca, onde fica a cuíca. Ambos, Zeca e cuíca, se fundem num ser vivo, dotado de extrema sensibilidade, harmonia, ritmo, pura sonoridade. Sua figura negra, esguia e seu sorriso lembram-me a nobreza em toda sua extensão da simplicidade que apenas os mais nobres possuem. É uma bela imagem negra de chapéu preto, conjunto jeans, tamancos pretos e a divina cuíca a tiracolo. Zeca é música, ritmo que paira e nos envolve com beleza, paz, ternura. Zeca da cuíca ou a cuíca do Zeca toca-nos o fundo da alma e transporta-nos ao espaço além da dimensão cotidiana. Leva-nos ao infinito. Transporta-nos aos mais belos recantos do não sei onde da imaginação. Viva Zeca, o da cuíca, deus negro da música, do ritmo, da harmonia. Saúdo-te e me rendo à tua arte, bom Zeca da Cuíca.

Carlos Alberto Marques de Sá Freire

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domingo, 28 de fevereiro de 2021

Carnaval sem carnaval


A capa do jornal Gazeta de Notícias do dia 02 de março de 1919 celebrou o triunfo do carnaval carioca daquele ano, quando a cidade finalmente havia superado a pandemia da gripe espanhola. Mais de cem anos depois, pela primeira vez na história, o carnaval teve de ser cancelado em todo o Brasil por decorrência de uma nova pandemia que atravessou 2020 e avança em 2021 ainda fora de controle.

Gazeta de Notícias - 02 de março de 1919

Carnaval é sinônimo de aglomeração nas ruas e arquibancadas, e aglomerar é um fundamento básico para o bom desempenho de uma escola de samba. O quesito "evolução" avalia justamente a compactação dos componentes e alas durante a progressão dos desfiles, exatamente o contrário do distanciamento social que, infelizmente, ainda se faz necessário.

Descartada a possibilidade de realização dos desfiles inclusive em meados deste ano, como se chegou a cogitar, resta-nos torcer para que o novo triunfo finalmente chegue em 2022. Para a atual campeã carioca Unidos do Viradouro, no quesito perspicácia, o bicampeonato já está garantido. A escola levará para a avenida o enredo "Não há tristeza que possa suportar tanta alegria", fazendo um paralelo entre a folia de 1919 e o desejado triunfo do próximo carnaval.


Torcemos pela realização dos campeonatos regionais entre as agremiações e certamente todos irão torcer para que sua escola do coração obtenha sucesso nas disputas. Entretanto, independente do enredo de cada escola e da sinopse de cada samba, todos os desfiles terão nas entrelinhas a celebração da vida e, enfim, todos seremos campeões. Será de fato o triunfo da alegria sobre a tristeza, a vitória dos reencontros e o preenchimento de um vazio retratado nos versos reproduzidos abaixo, do poeta Ari Mangilli, e nos depoimentos reunidos no vídeo a seguir, de cuiqueiros e cuiqueiras que gentilmente expressaram seus sentimentos sobre este inimaginável carnaval sem carnaval.

SILÊNCIO NO CARNAVAL SEM CARNAVAL
(Ari Mangilli)

Silêncio na passarela iluminada só pela luz da lua, o Carnaval se calou, emudeceu, perdeu o brilho, adormeceu num sono profundo, tudo ficou empoeirado, a cuíca já não chora mais, mas também não sorri, está triste e dolorida, sentida, todos os enredos ficaram com o mesmo tema "Esperança" quem diria que um dia o silêncio seria o ritmo do carnaval, a batucada virou a fé, as fantasias coloridas e reluzentes viraram um pedaço de tecido que mudou a nossa voz, quem diria que a história linda do samba ficaria sem um episódio e em farrapos e com páginas em branco, o samba perdeu a melodia, perdeu a magia, a batucada ficou muda, os sambistas presos e acuados dentro de um quarto escuro, com as baquetas nas mãos sem ter onde bater, as ruas vazias com a dama da noite exalando seu perfume, mas triste sem ter os personagens da noite pra sentir seu perfume, a noite não é mais a mesma, o sereno chora as noites vazias e o orvalho cai triste e não molha mais a relva, as estrelas clamam aos Deuses que tudo volte ao normal, precisamos do samba que é nossa essência a nossa raiz, precisamos do batuque, precisamos da alegria, viver no Carnaval sem Carnaval não dá, viver no Carnaval sem a batucada, sem as cabrochas, sem os sambistas e sem receber que seja uma única nota 10 não dá pra viver surdo e mudo e sem rabiscar o asfalto com meu sapato branco e sem entoar o canto para os quatro cantos e poder gritar é Carnaval, não dá.

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sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

A cuíca do Laurindo [VERSÃO INTEGRAL]

Há aproximadamente cinco anos atrás, este humilde espaço cuiquístico orgulhosamente anunciava a estreia do espetáculo musical A cuíca do Laurindo, que encantou a platéia carioca por longa e saudosa temporada. Eis que agora, por vias digitais, a peça volta a entrar em cena sem previsão de sair do cartaz, podendo ser apreciada por muito mais gente graças à iniciativa da produtora Marraio Cultural ao publicar uma gravação integral do espetáculo. 


Criado por Noel Rosa, o personagem carioca Laurindo apareceu pela primeira vez na letra do samba Triste Cuíca, de 1935. Nos anos seguintes, craques como Herivelto Martins, Wilson Baptista, Zé da Zilda, Haroldo Lobo e Heitor dos Prazeres abordaram o personagem em outros sambas, acrescentando novos capítulos à trajetória do cuiqueiros do morro da Mangueira.

Com idealização e dramaturgia do escritor, ator e músico Rodrigo Alzuguir, direção de Sidnei Cruz e direção musical de Luis Barcelos, a peça retrata o Rio de Janeiro dos anos 1940 e tem como pano de fundo o cotidiano da fictícia Lira do Amor, pequena escola de samba do morro da Mangueira criada por Alzuguir. 

Durante a extensa pesquisa que resultaria na premiada biografia Wilson Baptista – O samba foi sua glória (Casa da Palavra, 2013), Alzuguir se deparou com um personagem recorrente em várias composições de Wilson Baptista: Laurindo. “Percebi que esse Laurindo era o mesmo de Triste cuíca e que outros compositores, como Herivelto Martins, também fizeram sambas sobre o personagem. Compor músicas contando histórias de Laurindo virou uma brincadeira para um grupo de sambistas daquela geração dos anos 40”, destaca o autor.

Formado por atores e cantores, o elenco traz Alexandre Rosa Moreno como Laurindo, além de Vilma Melo (Zizica), Claudia Ventura (Conceição), o próprio Rodrigo Alzuguir (Zé da Conceição), Hugo Germano (Tião), Nina Wirtti (Guiomar) e o cantor e compositor Marcos Sacramento, destaque no papel de Dodô, braço-direito de Laurindo, citado em Desperta, Dodô, samba de Herivelto Martins. Os sete personagens foram extraídos do anedotário e de letras de samba do período. Acompanhados de cinco músicos, o elenco canta e interpreta ao vivo cerca de 40 canções de autores como Herivelto Martins, Wilson Baptista e Noel Rosa, entre outros – encadeadas e tratadas musicalmente de forma a ressaltar o caráter narrativo dessas músicas como condutoras da ação dramática, e não meramente ilustrativas.

Ao mesclar realidade e ficção para contar a história do cuiqueiro, o autor resgata uma fase importante da cultura carioca: os seminais anos 1930 e 40, quando surgiram as primeiras escolas de samba, derivadas dos antigos blocos, e os desfiles que aconteciam na Praça Onze. Inseridas na dramaturgia, as músicas traçam a trajetória de Laurindo, de líder da escola de samba Lira do Amor de Mangueira, passando pelo triângulo amoroso com Zizica e Conceição e a luta contra os nazistas, até a sua volta ao morro como herói de guerra.  

Além dos sambas que narram as aventuras do Cabo Laurindo – como Triste cuíca (Noel Rosa), Laurindo (Herivelto Martins) e Comício em Mangueira (Wilson Baptista e Germano Augusto) – estão presentes composições do mesmo período que dialogam com a trajetória do personagem – a exemplo de Praça Onze (Vão acabar com a Praça Onze/Não vai haver mais escola de samba, não vai...) e Ave Maria no morro (Barracão de zinco/ Sem telhado, sem pintura/ Lá no morro/ Barracão é bangalô).

Criado por José Dias, o cenário da peça retrata a Curva do Calombo – localizada no morro da Mangueira dos anos 1940 – inventada por Alzuguir. Dividido em dois níveis, o ambiente revela o clima boêmio da favela carioca. No centro, a “Birosca do Claudionor”, ocupada pelos músicos acompanhantes. No segundo nível, a casa de Laurindo e Zizica e a sede da escola de samba Lira do Amor de Mangueira.

Na direção cênica, Sidnei Cruz procurou estabelecer “uma heterogeneidade de tratamentos narrativos”. “O espetáculo movimenta-se por desvios ao redor de certas tradições, como revista, chanchada, melodrama, roda, burleta, folguedo, opereta, cabaré, rádio e teatro de sombra. Assim é nosso teatro de samba”, explica o diretor.

Se Noel Rosa apresenta Laurindo como famoso cuiqueiro do morro da Mangueira – com direito a um misterioso triângulo amoroso entre ele e as cabrochas Zizica e Conceição –, Herivelto Martins faz do personagem um apaixonado líder de escola de samba, no tempo em que o desfile acontecia na lendária Praça Onze, desaparecida com a abertura da avenida Presidente Vargas.

Já Wilson Baptista, irreverente, envia Laurindo para lutar na Segunda Guerra Mundial, de onde volta coberto de glória/trazendo garboso no peito a cruz da vitória. Depois de muitas idas e vindas, Laurindo é encontrado morto em Sem cuíca não há samba, em que se lamenta o estado do corpo só reconhecível pela medalha de ouro de São Jorge no peito. Mas será que era mesmo o famoso cuiqueiro?

O mérito de Alzuguir foi criar uma trama divertida e sofisticada ao redor desses sambas – num entrelaçamento tão preciso que essa coleção de músicas parece ter sido composta sob medida para o texto, escrito mais de setenta anos depois. “A riqueza de detalhes, a criatividade e a pesquisa preciosa de Rodrigo são trunfos do espetáculo”, destaca o cantor Marcos Sacramento.

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quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Cuíca [AO VIVO]

Definitivamente, 2020 deixa um marco na história da humanidade. Descontando toda a tristeza desse ano (quem dera isso fosse possível), ficaríamos com algum saldo positivo, a exemplo da consolidação das lives como uma via para atuação profissional e para o entretenimento. Nesse contexto, claro, a cuíca não ficou de fora.

Ao que tudo indica, a primeira live cuiquística foi realizada pelo Espaço Batuque Digital, no dia 1º de abril, tendo como convidado o jovem veterano Jota da Cuíca. Na época, como ainda não havia a possibilidade de manter as lives salvas no Instagram, lamentavelmente, perdemos essa gravação. Mas vale o crédito à título de registro.

Divulgação do Espaço Batuque Digital - Live com Jota da Cuíca
Divulgação do Espaço Batuque Digital - Live com Jota da Cuíca

Na sequência, em comemoração ao Dia da Cuíca (21 de abril), a Confraria Gambito de Ouro promoveu a Semana da Cuíca CGO, que se desdobrou até setembro, contabilizando o total de 25 episódios - reunidos nessa playlist. De toda a serie, vale destacar a entrevista com Índio da Cuíca, como sempre, dando um show a parte.


Aproveitando o embalo, Paulinho José, presidente da CGO, realizou também lives pedagógicas; participou de um bom papo com mestre Léo Capoeira, da bateria Caldeirão da Zona Oeste; e foi ainda um dos convidados de Cota Pagodeiro em dobradinha com Sandro da Cuíca. Além deles, Cota também entrevistou Ricardo Santana, o uruguaio Carlinhos, e o coletivo Mulheres da Cuíca, que também promoveu sua própria serie de lives.


A cuíca também ganhou destaque nas lives do coletivo Mulheres no Ritmo, cabendo nossa representação à Van Van Alves. Já o coletivo Sociedad del Gambito realizou uma serie de entrevistas com nossos hermanos cuiqueiros da Argentina, ao passo que o canal Batuka Floripa promoveu um bate-papo entre diretores de cuíca de alguns blocos e escolas de samba da ilha catarinense. De forma semelhante, a Bateria Puro Sentimento, de Manaus, expandiu o debate para a região Norte, e o canal Ritmista Brasil reuniu uma trinca de ouro da cena paulistana, incluindo nosso mestre Osvaldinho da Cuíca.


Como parte do Festival Som dos Tambores, Fabiano Salek também seguiu a linha pedagógica, enquanto Marquinhos Cuíca Frenética liderou seu bom pagode e Ronaldinho da Cuíca deu o tom de sua garbosidade. Finalmente, J. Muniz Jr., o Marechal do Samba da baixada santista, foi convidado para a estreia do projeto Cuíca Online, encerrando a temporada 2020 de transmissões ao vivo. No ano que vem tem mais, caros "livespectadores". Força e saúde plena!!!

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domingo, 22 de novembro de 2020

Dez anos sem Ovídio Brito

O dia de hoje marca exatamente dez anos que perdemos nosso mestre Ovídio Brito. Discípulo de cuiqueiros célebres como Germano, da Mocidade Independente, e Mestre Marçal, certamente sua maior referência, Ovídio se notabilizou como um dos principais cuiqueiros da história e um dos maiores sambistas do seu tempo.


Mas o que faz um cuiqueiro entrar para a história? E o que mede a grandeza de um sambista? No caso de Ovídio, as respostas parecem estar no diálogo abaixo, entre Marcelinho Moreira e Jorge Quininho. É interessante notar como eles se referem a Ovídio e à cuíca como entidades que se confundem num corpo só. Quininho é explícito ao dizer que Ovídio tinha de fato a cuíca como parte do seu corpo e Marcelinho sugere que as palavras "cuíca" e "Ovídio" são como sinônimos para ele.


A reverência a Ovídio demonstrada nessa conversa representa o pensamento que todos que o conheceram de perto compartilham com unanimidade: que Ovídio foi um gênio por sua sensibilidade musical, e um anjo pela passagem inspiradora na terra. E como se vê, este pensamento vem sendo transmitido para as futuras gerações, aí representadas por João Moreira, filho de Marcelinho, e Pedrinho da Serrinha, filho de Quininho, garantindo que Ovídio será sempre lembrado como um membro da fina flor do samba.

Mas nenhuma reverência seria capaz de expressar a relação entre Ovídio, sua cuíca e o samba com tanta profundidade quanto o testemunho pós morte que o próprio Ovídio enviou, pouco tempo depois de sua partida, numa carta psicografada dirigida à sua grande amiga Bianca Calcagni, confiando a ela, no exercício de sua fé, a mensagem abaixo (que Bianca lê e comenta no vídeo em seguida):

Bianca, obrigado. Obrigado por me permitir escrever. Obrigado por lembrar-se de mim. Obrigado por tudo. Esta mensagem eu dedico à vocês e aos meus amigos, aos meus familiares, essa “pequena senzala livre”, a todos os músicos e intérpretes que sabem ganhar o mundo com seu talento, à minha cuíca, meu instrumento que já fazia parte do meu corpo.
 
Meus amores, o sono me venceu e o cansaço me dominou, o acidente automobilístico me trouxe à uma nova roda de samba, o choro estridente de minha cuíca soa pelos céus. Sou um músico feliz por ter podido tocar minha verdade e mostrar minha arte para o mundo. O samba é capaz de sintetizar os fatos vividos por pessoas comuns, nosso povo, nossa alma guerreira. Fui negro, sou negro e a negritude se manifesta nas culturas diversas do meu Brasil. Uma grande mistura de crenças e raças, uma babel cultural, uma pajelança de ritmos. Manifesto neste texto o que sinto, o que conquistei, o que vivi. 

Toco minha alma no acorde da vida e acordo vivo. O céu nunca mais foi o mesmo desde a minha chegada, por fim ponho pra quebrar e coloco anjos pra requebrar. Sambo miudinho, sambo juntinho, partido alto ou gafieira, samba sincopado ou samba enredo. Passei pela vida como um passista passa pela avenida, com muita alegria.

Quando sentirem saudades de mim agucem os ouvidos e ouçam meu ritmo sendo tocado no vento. Vou caminhar pelo palco da verdadeira vida e como companheira inseparável minha cuíca. Um samba vou fazer, um samba vou tocar, um samba vou sambar, um samba vou viver. 

À todos aqueles que sabem viver e aprender com a vida. À todos aqueles que fazem o que amam e amam a vida.

Meu obrigado.

Ovídio.



Diante disso, não há muito o que acrescentar. Só nos resta expressar nosso mais profundo agradecimento à Bianca por dividir conosco um documento tão íntimo e precioso, assim como à família do Ovídio pela autorização de publicá-lo. Independente de crença ou descrença individual, certamente todos que o admiram se alegram em saber que Ovídio seguiu com sua inseparável cuíca e com o toque de prima do seu samba; e que permanecerá aqui como "flor-luz que influi nas gerações", conforme ele mesmo canta em Eterna Paz.

sábado, 31 de outubro de 2020

A cuíca no podcast "Nó na Garganta"

O programa Nó na Garganta, da Escola de Choro de São Paulo, lançou recentemente dois excelentes episódios dedicados à cuíca. 

O primeiro compõe a série Telecotecos Africanos e Brasileiros, que investiga traços de DNA africano na música brasileira tomando o famoso "telecoteco" do samba e do choro como filamento genético dessa relação. 

Partindo da audição de um belo solo de cuíca executado pelo magistral Alfredo Castro e de uma incrível gravação de puíta registrada em Angola pelo pesquisador Gerhard Kubik, o programa segue um trajeto de reflexões instigantes pautadas em valiosos documentos sonoros.


Já o segundo programa integra a série Timbres e seus Gênios e se concentra nas modificações sonoras que a cuíca sofreu ao longo do tempo e que a afastaram da semelhança com o timbre de outros tambores de fricção, como a puíta angolana, característica da fase inicial de sua história.


Também com ilustração de um rico repertório e tendo por base importantes fontes históricas, o programa nos conduz à triste constatação de que a evolução sonora da cuíca, apesar da relevância musical e estética, teve grande motivação na desigualdade social, preconceito e discriminação racial que ainda hoje nos violenta como herança dos quase quatro séculos de escravidão no Brasil. 

Constatação triste, mas necessária de ser feita e infinitamente refeita. Pois, se um traço tão marcante da cuíca, sua sonoridade que tanto nos encanta, resulta de algo tão terrível, não podemos considerá-la apenas como um instrumento musical. A cuíca se revela também como instrumento de denúncia e combate ao racismo e à injustiça.

É uma grande satisfação que esse humilde espaço cuiquístico tenha contribuído para o programa Nó na Garganta produzir um conteúdo tão importante e oportuno. Fica aqui também a nossa saudação aos amigos chorões, em especial ao professor Enrique Menezes, a quem agradecemos pela aula e pela oportunidade de redimensionar a nossa responsabilidade de cultivar a chorona.
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sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Homenagem a Zeca e Marçal

Hoje, precisamente neste 11 de setembro de 2020, o blog Cuiqueiros completa dez anos de existência. Não haveria maneira melhor de celebrar essa marca do que reverenciando a memória de dois dos nossos maiores ícones: Mestre Marçal, que faria 90 anos no último dia sete; e Zeca da Cuíca, de quem lamentamos o falecimento no último dia quatro.

Zeca da Cuíca | Fonte - @utopicas_colagens

José de Oliveira, o nosso Zeca da Cuíca, ou simplesmente ZK, como ele mesmo costumava usar, partiu dormindo, aos 86 anos, em sua residência no morro de São Carlos, onde morou durante praticamente toda sua vida. Coube ao GRES Estácio de Sá comunicar a triste notícia da partida do baluarte, prestando a primeira das muitas homenagens que o seu Zeca vem recebendo, como esta bela colagem acima, de William Gomes, e também a interpretação de "O ronco da cuíca" durante a live do Samba do Trabalhador, cuja versão original não seria a mesma sem a magnífica cuíca gravada pelo Zeca. Na verdade, ele nos deixou inúmeras outras gravações magníficas em discos de artistas dos mais renomados, marcando também o seu nome na história da música brasileira como um dos maiores cuiqueiros do seu tempo. No mundo do samba, em especial, Zeca representava um elo com uma realidade atualmente acessível apenas em documentos e na memória dos antigos. Para nossa sorte, ele deixou algumas de suas lembranças gravadas na série Matrizes do Samba do Rio de Janeiro, produzida pelo Centro Cultural Cartola, em 31 de janeiro de 2009, falando de sua infância, família, sua carreira e de sua íntima e apaixonada relação com a cuíca, o que fica ainda mais nítido nos momentos em que entremeia a conversa com os sons de sua chorona.  


Nilton Delfino Marçal, o nosso Mestre Marçal, já nos deixou há mais tempo, tendo falecido no dia 9 de abril de 1994 com apenas 63 anos. Seu pai, o grande compositor Armando Marçal, faleceu ainda mais precocemente, com 44 anos, deixando para o filho seu posto na Rádio Nacional, o primeiro emprego de Mestre Marçal como músico profissional. A partir de então, sua biografia seria marcada por episódios que o elevaram à condição de um dos maiores sambistas de todos os tempos. Dos programas de rádio como percussionista e das primeiras apresentações como cantor em gafieiras, passando pelos desfiles de carnaval como ritmista e diretor de bateria, se tornou um dos músicos mais requisitados para gravações em discos, dentre as quais se destacam suas magistrais atuações tocando cuíca. Mais tarde, chega a ter sua própria discografia, passando de acompanhador a protagonista. Sua história pode ser melhor conhecida através da bela pesquisa de Vinícius Barros; sua personalidade, pelo fascinante depoimento de Wilson das Neves; e sua própria pessoa, pelo programa Ensaio gravado na Tv Cultura, em 1991.


Zeca e Marçal nasceram em momentos bem próximos, 1934 e 1930, respectivamente, partiram em momentos bem distantes, e agora ambos se encontram na eternidade. Melhor seria imaginar que agora eles se reencontram na eternidade, que agora podem se rever e reviver a amizade que inspirou a composição "Dois sem vergonha", e que suas cuícas possam novamente dialogar, endiabradas, na língua dos anjos.


Obrigado, muito obrigado, muitíssimo obrigado a todas e todos que acompanham este humilde espaço cuiquístico. Que venham mais dez!

terça-feira, 21 de abril de 2020

Vídeo 24 - 10º encontro de cuiqueiros do RJ

O cuiqueiro é mesmo um ritmista diferente. Investe do próprio bolso para se manter na bateria, comprando couro e demais apetrechos para um instrumento caro por si só. Nenhuma outra peça exige manutenção tão regular como a cuíca e, quando muito, aquelas que necessitam são financiadas pela própria escola (o que aliás é o ideal). Mesmo sem essa sorte, o cuiqueiro não esmorece e segue firme para se garantir no próximo carnaval. E há uma explicação: é que a relação do cuiqueiro com o seu instrumento é especial. A intimidade entre o cuiqueiro e sua cuíca é algo que ultrapassa o caráter utilitário dos objetos e atinge um grau de relação onde a cuíca é vista quase como um ser vivo pelo seu proprietário. E isso fica explícito no sentido de pertencimento no nome que muitos cuiqueiros assumem pela designação "da cuíca". Sem desmerecer os demais instrumentos, nenhuma outra peça da bateria é assimilada ao nome dos seus ritmistas com tanta naturalidade e frequência. Fulano da caixa ou Sicrano do surdo é algo raro de se ver, mas Beltrano da Cuíca tem aos montes! Somos da cuíca, nós é que pertencemos a ela, somos nós os instrumentos dela. Mas isso parece ser incompreensível por parte de alguns que não vivenciam este sentimento. Apesar de ser um instrumento muito admirado em todo o mundo, a cuíca é também muito desprezada, inclusive no próprio ambiente do samba. No entanto, como dito, o cuiqueiro não esmorece e segue firme para se garantir no próximo carnaval. E há outra explicação: é que o cuiqueiro é um ritmista tão diferente que nem espera chegar o período de ensaios do carnaval seguinte para matar a saudade da chorona. Deu um jeito de antecipar o encontro entre seus pares para extravasar o sentimento que não aguenta segurar por muito tempo. Assim, instituiu o dia 21 de abril como o Dia da Cuíca e, desde então, passou a celebrar a data informalmente. Entretanto, novamente sem a intenção de desmerecer os outros naipes, a data agora é oficial e nenhuma outra peça da bateria tem o seu próprio dia sacramentado em lei, conforme se lê no Projeto de Lei Nº 197/2013 que oficializou o Dia da Cuíca no calendário da cidade do Rio de Janeiro: "o dia 21 de abril de 2005 marcou a realização do 1º Encontro de Cuiqueiros - RJ, na quadra da G.R.E.S. União de Jacarepaguá, reunindo ritmistas de várias escolas, amantes da cuíca, num ambiente de harmonia, confraternização e alegria, sem fins lucrativos e com entrada franca, por iniciativa de João da Cuíca da GRES Portela, aliado a um seleto grupo de amigos igualmente cuiqueiros tais como: Hildebrando (Portela), Hélio Naval (Império Serrano), João Grande, Xanduca e Carlinhos (Mangueira), Reginaldo (Império Serrano), Hélio e Niquinho (Imperatriz Leopoldinense), Luiz (Caprichosos de Pilares), Sena (Arranco) etc". A cuíca ganhou seu próprio dia graças à iniciativa desses mestres e, indiretamente, graças a todos os seus admiradores e cultores que vêm se renovando de geração em geração, ano após ano, em toda parte. Neste ano, devido à pandemia, infelizmente não será possível celebrar a 16ª edição do encontro que marca o início de toda essa história. Mas pra gente não esmorecer e, simbolicamente, reviver este momento, seguem imagens inéditas do evento de 2014, nos projetando para aquele ambiente de plena felicidade. Viva a cuíca e viva todos os cuiqueiros e cuiqueras de hoje, de ontem e de sempre! Parabéns pra todos nós!

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segunda-feira, 30 de março de 2020

A cuíca nas baterias universitárias

*por Lineker Oliveira e Paulinho Bicolor

Reza a lenda que a expressão "escola de samba" surgiu de uma analogia feita pelo compositor Ismael Silva entre o bloco Deixa Falar, criado por ele e seus amigos no bairro carioca Estácio de Sá, e a Escola de Normalistas situada no mesmo bairro, que formava professoras para os colégios do município. Ismael via os bambas da Turma do Estácio como "professores" e o Deixa Falar seria a "escola" onde eles ensinavam samba. Mas há quem duvide que a expressão tenha surgido deste insight do sambista, afirmando ser mais provável que o famoso rancho Ameno Resedá, conhecido como "rancho escola" antes do Deixa Falar existir, tenha inspirado a denominação que os sambistas passaram a usar em suas agremiações. De todo modo, o que há de mais significativo na origem dessa expressão é o fato de vincular uma prática cultural marginalizada - o samba - a uma instituição socialmente respeitada - a escola. Segundo o historiador Luiz Antônio Simas, na década de 1920, enquanto os sambistas buscavam pavimentar caminhos de aceitação social, o Estado procurava disciplinar as manifestações culturais das camadas populares. A expressão "escola de samba", portanto, independente de como surgiu, possivelmente logo se firmou por sintetizar um grave dilema social, equilibrando os interesses do Estado e dos sambistas naquela época. Desde então, outras expressões ligadas ao sistema educacional foram assimiladas ao universo do samba, como o termo "acadêmicos", presente no nome de várias agremiações, o termo "mestre", dado aos regentes das nossas orquestras e, mais recentemente, com as jovens e irreverentes baterias universitárias, que levam esse jogo de palavras, na prática, para muito além do vocabulário.



As baterias universitárias foram originalmente criadas para incentivar torcidas e atletas em torneios esportivos. A primeira de que se tem notícia, a Bateria Charanga, foi criada em 1969 por alunos do curso de engenharia da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais. Hoje, segundo levantamento do blog Bateria S/A, existem aproximadamente trezentas espalhadas por todo o Brasil. Elas continuam animando as arquibancadas dos torneios esportivos, mas adquiriram vida própria, organizadas em ligas regionais como a LIBURJ, a LBMG e a CWBU, associadas à liga nacional - LNBU, contando com sistemas de gestão e programas de atividades cada vez mais elaborados. Além do cronograma de ensaios, a agenda inclui festas de casamento e formatura, bem como uma série de campeonatos acirrados e, claro, regados por muita curtição. Os principais são o Balatucada, o Interbatuc, a Taça das Baterias Universitárias - TABU, e a Copa das Baterias Universitárias - CBU. O regulamento desses campeonatos se assemelha aos critérios de julgamento aplicados às baterias das escolas de samba, que servem também de parâmetro às características da batucada e instrumentação de cada grupo. Nesse ponto, uma bateria em especial se destaca de todas as demais por ser a única com um naipe de cuíca consolidado em sua formação: a Bateria Bandida.
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Fundada em 2007 na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo - EACH-USP, a Bateria Bandida não hesita em ostentar o prestígio de ter a chorona em sua formação, o que fica evidente em seu brasão e também no seu lema: se a cuíca chorou é o Bonde da Leste! A swingueira que sacode a torcida EACHiana! O primeiro diretor das cuícas do Bonde da Leste, Renan Costa, nos deu um interessante relato sobre a representatividade da Bandida no cenário universitário e o quanto isso se deve à sua própria atuação e pioneirismo, como se observa nesse trecho da nossa conversa:



O protagonismo da cuíca na Bateria Bandida, apesar de ainda não se refletir em outras baterias universitárias, tem reverberado de forma bastante efetiva no meio das escolas de samba. O próprio Renan, por exemplo, é o atual diretor de cuíca na Unidos de Vila Maria e sua substituta na direção das choronas na Bateria Bandida, Alice Caliento, mais tarde saltaria do Bonde da Leste para liderar o histórico naipe formado só por mulheres na Acadêmicos do Tatuapé.

Outra forma da Bandida demonstrar o quanto a cuíca é importante em sua formação se dá por meio de um momento em suas apresentações chamado "chora cuíca", um breque especialmente reservado para o destaque das choronas, recriado a cada ano em novas convenções. O vídeo abaixo registra o "chora cuíca" de 2014, apresentado no torneio Balatucada. Com ele encerramos essa postagem torcendo que seu título - no plural - um dia faça sentido em gênero, número e grau. Vida longa à Bandida! Chora cuíca!!!


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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Osvaldinho da Cuíca - 80 anos

Hoje é dia de reverenciar um dos nossos maiores mestres: Osvaldo Barro, o nosso querido Osvaldinho da Cuíca, completa hoje 80 anos de vida! Paulistano nascido no Bom Retiro, foi cedo viver com a avó em Poá, cidade próxima à capital paulista. Ouvindo-a cantar cateretês à luz da lamparina, escutando rádio pelo serviço de autofalantes da pracinha e observando os festejos do carnaval local, o pequeno Osvaldinho teve ali os seus primeiros contatos com a música. No final dos anos 1940, voltou a morar com uma tia em São Paulo, onde definidamente se encantou pela batucada ao ver e ouvir nomes como Herivelto Martins, Monsueto e Ataulfo Alves nos cinemas que contagiavam a atmosfera cultural na década de 1950. A inspiração dos filmes o levou a transformar a ferramenta de trabalho do seu primeiro ofício, uma caixa de engraxate, no instrumento musical em que pôde dar as primeiras exibições de sua imensa habilidade percussiva.


Habituado a fazer ponto na frente de uma gafieira do Tucuruvi, engraxando sapatos e batucando na caixa, Osvaldinho logo fez amizades com os sambistas da região, integrantes dos cordões que viriam a formar algumas das atuais escolas de samba da Paulicéia. Aos 14 anos, entrou para o cordão Garotos do Tucuruvi, onde compôs os seus primeiros sambas e se aproximou dos instrumentos que o tornariam famoso, principalmente a sua amada cuíca, inspirado por grandes cuiqueiros da época como Zé da Rita e Boca de Ouro. Aos 18 anos, já havia se tornado um músico profissional, participando de gravações em discos como percussionista, acompanhando diversos cantores e cantoras em casas noturnas e programas de rádio, mas foi no grupo de teatro popular do poeta Solano Trindade que ganhou seu nome artístico, conforme ele mesmo relata em entrevista ao Museu da Imagem e do Som de São Paulo. O nome Osvaldinho da Cuíca, ao se espalhar pelo mundo, se transformou numa verdadeira bandeira de popularização da "chorona" e não faltam provas para evidenciar o quanto ele foi e ainda é um cuiqueiro excepcional.



Muito mais do que um ícone para a cultura da cuíca, Osvaldinho herdou o posto de autêntico símbolo do samba paulista, equiparando-se a nomes como Geraldo Filme, Henricão, Adoniran Barbosa e Germano Mathias, dos quais continua sendo um discípulo fiel. A passagem pelo conjunto Demônios da Garôa foi um importante acontecimento em sua ascensão artística, bem como a constante atuação em diversas frentes da Vai-Vai, sua escola do coração, por três vezes campeã com sambas de sua autoria, dos seis que ele teve a felicidade de cruzar a avenida sambando com a maestria digna de um genuíno mestre-sala. Sua trajetória é também marcada pela discografia que apresenta seu valioso trabalho autoral (num total de sete discos) e ainda pela grande contribuição à preservação da memória do samba em publicações como Batuqueiros da Paulicéia, do qual é coautor. Já o livro Sampa, Samba, Sambista, de Maria Aparecida Urbano, narra a vida desse grande artista de forma muito mais detalhada do que cabe na singela homenagem que prestamos aqui. Devemos ser gratos ao tempo por dar ao nosso mestre tamanha longevidade. Osvaldinho chega aos 80 anos de vida, mas há muito que seu nome já se tornou eterno. Viva Osvaldinho da cuíca! Viva o nosso mestre!
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